V - O Fim

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    Anna deu à luz um menino forte, com os cabelos dourados e os olhos azuis de John, que regressou ao  reino apenas quando a criança completava três meses. Pensava que Anna e a criança seriam as únicas coisas que lhe alegrariam quando chegasse em casa.

    Assim que colocou os pés em suas terras foi ao encontro da esposa que, como lhe fora informado, cuidava do filho em seus aposentos. Abriu a porta quase que sem fazer barulho algum.  Embora Anna houvesse escutado as trombetas que anunciavam a chegada do rei e agora o ranger da porta pesada do quarto, não se virou para ver quem entrava. Sabia que era o marido e continuou a embalar o bebê silenciosamente.

     Ouviu os passos do homem atrás de si e pôde finalmente sentir a presença dele logo atrás dela, observando a criança, aparentemente emocionado pela maneira como respirava. Coma voz meio falha pela emoção, John conseguiu finalmente dizer:

  — É o dia mais feliz da minha vida!

—Talvez não seja.  - respondeu ela, seca, sem tirar os olhos da criança enquanto colocava-a no berço.

— É claro que é! O dia em que vejo as pessoas que mais me importam no mundo, depois de meses longe de casa achando que talvez jamais pudesse contemplar a face de um filho meu!

— John, preste atenção... - começou a moça, sem demonstrar um pingo de emoção na voz – Ainda não batizei a criança. Sua mãe quase implorou para que eu o esperasse. Quero que o batize como Gabriel, como prometi a ela. Ainda esta noite vou deixar esta corte.

    Sem compreender bem, perguntou confuso:

— Como assim deixará essa corte?

— Eu estou partindo, John. - apesar de tentar parecer firme, a voz dela tremeu.

—Partindo para onde?

— Não importa com quem para onde. Só estou partindo.

— Não pode deixar a corte sem minha permissão! - vociferou.

— Posso deixar a corte quando eu desejar. Você pode ser meu marido e meu rei, mas não é meu dono.

— Não acredito que está mesmo dizendo que vai me deixar... - ele caiu sobre uma cadeira, incrédulo, já chorando como nunca fizera antes – Minha mãe confia tanto em você. Mais do que em mim, eu acho... E eu... Eu te amo tanto!

— Eu jamais menti para sua mãe nem para você, John - tentando soar muito didática, tentou explicar para ele - Se pensar bem e tentar se recordar, eu nunca disse que o amava. E hoje conheço o amor, portanto partirei com o homem que me trouxe esse sentimento. Deixarei Gabriel com você, embora me doa o coração, pois acho que será melhor para ele crescer aqui. E porque acho que também é seu direito, como pai.

— Não! Se não tem piedade de mim nem dessa criança, tenha de minha mãe e de nosso povo que tanto a ama! Tenha piedade de sua mãe, que agora está sozinha no mundo... - e ao dizer essas palavras, fez com que ela chorasse sem  controle junto com ele.

— Eu não posso John... Não posso passar toda uma vida ao seu lado amando outro homem. Seria injusto com nós dois. Você é um amigo a quem estimo muito e a quem sempre vou estimar, mas...

— Amigo? Não foi com um amigo que se casou e deu um filho, Anna!

—  Também não foi com um homem a quem via duas vezes ao ano que me casei! – nesse ponto, já estavam aos gritos. Anna ouvia o bebê chorar assustado no berço, mas sentia-se nervosa demais para ser delicada com qualquer um; até mesmo com seu próprio filho. Decidiu que o faria dormir novamente assim que se sentisse mais calma.

    Ouviram passos nas escadas e logo Thomas abriu a porta do quarto bruscamente:

— O que está acontecendo aqui? – perguntou, assustado – Seus gritos e o choro da criança são ouvidos por todo o castelo!

— Não é nada. Logo nos resolveremos, volte aos seus aposentos! – respondeu John, ríspido, enquanto tentava esconder as lágrimas.

    Anna, por sua vez, correu e abraçou Thomas, soluçando:

— Eu contei, contei que partirei esta noite e ele quer me impedir.

Você quer impedi-la? – perguntou Thomas, olhando com ódio para o irmão que, de costas, tentando esconder que chorava, não notou.

— Não só quero, como farei! - a ira deixava a voz do rei temível.

—  Não - quase em um sussurro, Thomas negou - Ela partirá comigo ainda hoje. Mesmo que seja contra sua vontade.

    John se virou, olhando descrente para o irmão. Não queria nem podia acreditar. Viu Anna pousar o rosto sobre o peito de Thomas, chorando ainda. O rei levou as mãos ao próprio rosto, cobrindo-o, tentando ocultar-se de um misto de vergonha e raiva quando compreendeu que Anna pretendia partir com o irmão dele e então, explodiu:

— Pois então eu... eu... Eu amaldiçoo este amor! E amaldiçoarei mil vezes mais! – Agora Anna o olhava horrorizada – E se eu não puder fazer nada para acabar com ele, seu filho, Anna e seu sobrinho, Thomas... Gabriel... Ele vingará por mim! Partam! Saiam de minha corte! – ainda encolerizado, ele olhou fundo nos olhos do irmão – Eu sei do teu segredo, Thomas.Se julga esperto e achava que ninguém descobriria. Mas eu sei! E se ama mesmo Anna, abomino-o por fazer dela semelhante a você – Thomas parecia impassível protegendo Anna em seu abraço -. E sinto pena dela. - completou ele, baixando a voz - Eu pude salvá-la uma vez, mas espero que esteja ciente de que está escolhendo algo de que eu não posso te salvar.   Sinto pena de ti, minha Anna.

— Pouco me importa sua pena, meu senhor e rei – disse ela, olhando-o com desprezo e quase cuspindo com ironia as palavras – E não aguardarei sua bênção para partir – ela riu com desdém -. Cuide de nosso filho com todo o seu amor, John. Todo esse amor que diz que sente por mim, dê a essa criança. E que não me mate em pensamento, pelo amor de Deus. Ele também é meu filho e vou querer que ele saiba que estou viva. Quero vê-lo um dia. E se quando ele tiver idade não mandá-lo às terras de seu irmão, virei eu mesma aqui e me apresentarei como sua mãe!

    Anna fez um gesto para que Thomas deixasse o quarto e ele a atendeu obedientemente antes mesmo que John voltasse a falar:

— Faça como quiser... - aceitou o rei, desanimado.

— E não se atreva... Não se atreva a fazer qualquer coisa que atente contra a vida de Thomas! Se fizer uma coisa dessas, não sei do que sou capaz!

— Eu não me atreveria a te fazer tão infeliz, se o ama tanto assim. Por você, Anna... - E ele abraçou-a, chorando como criança.

    Anna, enternecida pelo choro dele, perguntou baixinho:

— Me ama tanto ao ponto de engolir seu orgulho pra me ver feliz?

— Te amo mais do que imagina. Amo-a ao ponto de aceitá-la de volta de braços abertos, caso um dia queira voltar para casa – nesse momento, Anna afastou-o dela, e caminhou até uma janela, onde postou-se trançando habilmente os cabelos.

— Eu não vou voltar, John – ela foi até o berço, pegou a criança, nos braços. Embalou-a até que pegasse no sono e beijou o rosto rosado do bebê antes de devolvê-lo ao berço –. Devo partir.

    A moça caminhou até a porta, mas voltou, parecendo contrafeita com seu próprio gesto.

— Só agora vejo como fui indigna de seu amor e sua amizade! – ela passou a mão pelo rosto, nervosa – Jurei-o amor e fidelidade e agora parto, indiferente ao teu choro... – segurando as lágrimas, ela beijou a testa do jovem rei – Cuide bem do nosso filho, John. E diga a sua mãe que eu lamento e que sei que vou pagar por meus pecados.

    Então Anna saiu.

Antes da EternidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora