X - O Início

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    Anna abriu os olhos de vagar. Com certeza já era dia. Thomas ainda estava deitado sobre seu colo. Com muito cuidado para não acordá-lo, deslizou a cabeça dele para o lado e afagou-lhe os cabelos por algum tempo.

    Ao se sentar na cama, puxou os próprios cabelos para frente e começou a trançá-los como de hábito. Então, notou que aquilo não a agradava, então soltou-os novamente e balançou graciosamente enquanto caminhava até o outro lado do quarto, à procura de suas roupas íntimas, mas também de repente notou que não as queria vestir. 

    Queria ficar nua. E não se envergonhava daquilo. Tinha um belo corpo, orgulhava-se dele e estava em seu quarto, em seu castelo. 

    Parou de frente para as portas as quais vira Beltane abrir a noite passada. Quando tocou a argola de ferro que as abriria, ouviu uma voz estranhamente calma dizer:

— Não faça isso.

    Olhou para trás. Thomas ainda mantinha os olhos fechados, mas certamente estava acordado.

— Pensei em talvez ir lá fora e...- começou, em um tom de explicação.

— Anna... - ele abriu os olhos – Ainda não entendeu o que está acontecendo aqui? Agora você é como eu e cada um deste reino. É um ser da noite.

— Um... ser da noite? – repetiu, confusa.

— Aprenderá aos poucos como se portar. Sua primeira lição é jamais se expor diretamente à luz do sol.

— Mas...

— Venha... deite-se novamente -. Ele fez um gesto, chamando-a -. Logo a noite chegará...

Ela estava cansada. Não demorou a adormecer abraçada a ele.



•♦•♦•♦•♦•♦• 



    Thomas caminhava apressado e, ainda afetado pelo sangue recém-sugado que corria morno em suas veias, um ligeiro sorriso contornava seus lábios.

— Vem... tenho uma coisa para te mostrar.

— O que? – perguntou curiosa, tentando acompanhar os passos dele enquanto era puxada delicadamente pela mão.

    Ele apenas a observou e voltou a sorrir, com mais satisfação dessa vez. Foi quando a brisa da madrugada pôde levantar os cabelos dela que pareceram quase etéreos, como se dançassem movidos por fios invisíveis.

    Ele continuou a sorrir, puxando-a agora mais devagar e com mais calma.

    Anna, notando que estava em um imenso corredor a céu aberto que ligava as duas maiores torres do castelo, estacou.

— O que houve? – Thomas pareceu preocupado ao ver a expressão no rosto dela.

— Já ouvi histórias sobre esse lugar.

Este lugar?

— Sim... aqui.

    Ele a envolveu pela cintura, fazendo com que se encostasse ao parapeito.

— O que ouviu? – os lábios frios roçaram na orelha dela levemente.

— Quando eu era menina, costumava me sentar com John e as outras crianças, bem quietinha, para poder ouvir a música dos bardos. Mais de uma vez, ouvimos as histórias de um reino... um reino que certa vez fora perfeito, mas que acabou coberto de escuridão.

— A perfeição não existe, Anna... nada é perfeito. Nunca foi. E histórias de bardos são apenas isso: histórias para fascinar crianças.

—  Mas as torres...

— São apenas histórias. 

    Ela pensou um pouco. Então sorriu levemente.

— Eu aprendi isso, Thomas. Aprendi, no momento em que compreendi que não deveria ter confiado em você.

    Ficaram calados. Com Anna à sua frente, apoiada no parapeito, Thomas colou o corpo ao dela e pousou o queixo em seu ombro.

— Vê? Tudo... tudo isso é seu agora.

— Isso pouco me importa.

— Anna, não está compreendendo. Esse lugar é seu. Você cuidará dele. Eu não tenho esse poder.

    Ela suspirou, analisando pela primeira vez no que sua vida havia se transformado, mas sem ainda tentar desvendar completamente o que havia por trás das palavras dele.

Antes da EternidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora