XXIV - Recomeço

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    Por algum tempo a mente de Gabriel permaneceu limpa. Não parecia ter consciência de nada além da velocidade anormal do cavalo branco e do vento cortante em seu rosto que rapidamente gelava suas lágrimas. Já cavalgava havia muito tempo e tudo o que via à sua frente era a neve branca que forrava o chão.

    Logo as imagens voltaram à sua mente... ao invés do tapete branco adiante, parecia ver novamente Morgana sangrando, ouvi-la agradecê-lo.

    Havia realmente feito a coisa certa?

    Todos os sonhos que havia construído nos últimos dias desapareceriam com o tempo? Poderia sonhar novamente depois de perder sua Morgana? As lágrimas correram em maior número e alguns espasmos provocados pelo choro violento acompanhado do frio congelante que começava a notar apenas agora chacoalhavam seu corpo.

  Flocos de neve passaram a cair do céu e se não fosse o barulho repetitivo de um metal cortando o ar, Gabriel não notaria a presença de outra pessoa.

    Olhou para trás, assustado, pela primeira vez. Um vulto negro sobre o outro dos enormes cavalos de Santhomé seguia-o a curta distância, girando repetidamente a inconfundível espada de Thomas, que era cravejada de rubis vermelhos.

    Gabriel voltou a olhar para frente e procurou fazer com que o cavalo corresse ainda mais rápido. Se Thomas o estava caçando, certamente era para matá-lo.

     Embora o rapaz se esforçasse muito, logo o vulto o ultrapassou com uma agilidade sobrenatural. O outro cavalo derrapou na neve para o lado, parando perfeitamente no caminho de Gabriel. O cavalo de Morgana, acuado por não conseguir continuar e nem ter tempo o bastante para desviar empinou, derrubando pesadamente o príncipe sobre a neve.

    Para a surpresa de Gabriel, a neve estava macia. O fato das patas dos cavalos não afundarem nela como seu próprio corpo havia feito o intrigaria, caso sua atenção não se voltasse novamente à silhueta que se aproximava com a espada nas mãos.

    Quando a pessoa encapuzada estava próxima o bastante para que a pudesse ver melhor sob a tênue luz da lua crescente, o rapaz notou que parecia delicada demais para pertencer a um homem.

    Os olhos dele se encheram de alegria e ele tentou se erguer sorrindo:

— Morgana?!

     A espada foi fincada no chão e uma mão claramente feminina estendeu-se na direção dele.

— Oh, não... - a voz encantadora não era da irmã, mas ainda assim ele aceitou a ajuda e foi facilmente levantado.

    A mulher se desfez do capuz e, depois, de um emaranhado de panos que lhe cobriam o rosto. Logo os fios macios e ondulados de um  vermelho vivo emolduravam a face perfeita. Os olhos violeta fixaram-se nos de Gabriel e ela apontou a espada.

— Morgana se foi... e isso é seu por direito. Vim apenas entregá-la.

    Os olhos de Gabriel estudavam a mulher curiosamente. Ela também parecia muito interessada em cada detalhe, não só do rosto, como do corpo do rapaz.

— Está muito diferente do que eu me lembrava...

    Gabriel demorou em tentar resgatar o rosto dela de algum lugar em sua mente, mas claramente não conseguia.

— Nós nos co...?

— Não -. Ela interrompeu amavelmente – Não. Já nos conhecemos um dia, mas foi muito antes de Anna lhe dar à luz.

    Diante da confusão do rapaz ela riu musicalmente. Tocou-lhe o rosto e depois beijou levemente seus lábios.

— Sua mente está muito mais aberta agora, mas ainda longe de compreender o que eu poderia dizer. Aqui não somos mais inimigos, Gabriel... - ela acariciou o cabelo do atônito rapaz e continuou – Pegue a espada e rume à França. Precisam de você por lá. Precisamos manter o equilíbrio.

Antes da EternidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora