XI - Fantasmas do futuro

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TRÊS ANOS DEPOIS











    Montar nos imponentes garanhões de Santhomé era sempre satisfatório, como se tivessem um status a ceder e Anna o pudesse absorver. Eram cavalos únicos, criados com muito zelo desde que Santhomé havia se tornado um reino imortal. Os animais eram mais altos, fortes, e até mesmo mais inteligentes que o normal. Contrariando o pensamento arcaico do povo, não eram animais sombrios e negros em sua maioria; a maior parte e mais forte concentrava-se em animais tão brancos quanto as nuvens que enfeitavam ocasionalmente um céu azulado.

Thomas e Anna saíram a um trote veloz em uma noite agradável e muito estrelada de agosto. Era a primeira vez em muito tempo em que Anna se sentia realmente bem depois de todo aquele tempo em Santhomé. Não tinha certeza se o motivo era por estar deixando o reino – mesmo que rapidamente – ou por notar certa proximidade de Thomas.

    Não conversaram durante a viagem, mas a troca de olhares, sorrisos ocasionais e gestos breves eram o bastante. E Anna, sem saber por quê, estava confiante.

    Diminuíram a velocidade apenas quando avistaram uma vila. Thomas aproximou o cavalo do dela e falou baixo:

— É a aldeia mais próxima de Santhomé. Costumamos respeitá-los, mas hoje sua caçada será aqui, entendeu?

    Ela apenas acenou com a cabeça.

    Mesmo já sendo tarde, o silêncio do local denunciava: havia algo de errado. Quando se aproximaram mais, puderam notar que algumas portas e janelas estavam abertas e havia muitos objetos e corpos jogados por entre as vielas. Anna ainda estranhava o fato de sentir certo prazer com aquilo ao invés de estar horrorizada.

    Saltou do cavalo, seguindo um caminho diferente do de Thomas e passou a caminhar com cuidado entre os corpos, com os olhos e ouvidos atentos a qualquer movimentação. Não foi logo que captou algo. Precisou caminhar por cerca de dez minutos para que os olhos captassem um deslocar silencioso e rápido e então uma voz infantil soar:

— Quem é você?

    Não podia vê-lo mais, mas sua percepção aguçada fez com que tivesse certeza de que a voz vinha de trás de um monte de barris empilhados toscamente em frente a uma das casinhas.

— Está sozinho aqui, meu bem? Por que não aparece para que possamos conversar?

    Uma movimentação brusca e um leve lascar de pedras. O menino era corajoso! Mesmo que fosse de pedras no chão, estava se armando. A voz voltou a soar, cheia de ódio infantil:

— Veio me matar?! Veio me matar como mataram metade de meu povo ou veio ver se estou forte o bastante para ser seu escravo?!
— Eu sou mulher, criança... e eu sou daqui. Preste bem atenção às minhas roupas. Acha mesmo que eu venho aqui para este tipo de coisa?

    Os olhos da criança, sem deixar de se esconder, percorreram curiosos o vestido e as jóias que enfeitavam o corpo de Anna. Ela ouviu-o largar as pedras no chão e movimentar alguns dos barris para sair do esconderijo. Ficou realmente surpresa ao vê-lo. Era um menino jovem demais para falar tão bem. Ocorreu-lhe que ele devia ter o mesmo tamanho que seu filho Gabriel. Embora os olhos e cabelos negros e emaranhados da criança que tinha agora a sua frente muito se diferenciassem dos cachos bem cuidados e claros e olhos verdes de seu menino, foi impossível não se lembrar dele.

— O que veio fazer aqui? – ele voltou a perguntar.
— Eu moro em um reino próximo.

    Uma série de idéias apossava-se de todos os pensamentos de Anna. Via agora naquele menino um substituto para seu filho Gabriel. Pensava em colocar aquela criança sobre seu cavalo e levá-lo para Santhomé para criá-lo como a um filho já que, em sua visão, estava morta e não poderia jamais voltar a conceber.

Antes da EternidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora