XII - Consequências

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Pendiham





    Gabriel lambuzava os dedinhos roliços por segurar, sem muito jeito, uma coxa de galinha. O pai sorria ao ver que o menino preferia tentar se virar sozinho a aceitar ajuda de uma de suas amas.

    A rainha-mãe observava o neto entretido com a comida. Notava que ele via aquilo como algo muito sério, não como uma brincadeira como fazia a maior parte das crianças. Sentia que já estava velha demais e, ao ver o neto tão pequeno já agir como um homenzinho, entristecia-se.  Era como se pudesse ver os extremos da vida ali: ela, já tão cansada e envelhecida enquanto o menininho tinha toda uma vida pela frente. Teria muito tempo ainda para se divertir antes de tratar as coisas com tamanha seriedade. Parecia já alguém cheio de responsabilidades – ou, pelo menos, coisas vistas por ele como responsabilidades – aos três anos e meio de idade. Achava que deveria comer sozinho, sem importunar ninguém. E já havia começado a treinar sozinho com uma espada de madeira que havia ganhado do filho de um dos empregados. Mais de uma vez, a ama tirou as farpas das palmas ainda frágeis demais da criança.

    Eliza costumava chamá-lo de "anjinho". E parecia mesmo um anjo. Os cabelos muito louros e cacheados eram ligeiramente longos e, por vezes, caiam sobre os olhinhos azuis. Tinha a pele muito clara e era saudável. Sendo assim, suas bochechas muitas vezes pareciam rosadas.

    Quem o visse quieto, certamente imaginaria um menino frágil e mimado da nobreza. Mas Gabriel era muito ativo e corajoso pra pouca idade.

— Mãe, a comida vai esfriar -. Eliza foi despertada por John. Estava totalmente perdida em pensamentos até aquele momento. Ela se arrumou  na cadeira e apanhou os talheres enquanto exibia um sorriso, ao mesmo tempo de agradecimento e desculpas para o filho.

— Papai... - Gabriel, aproveitando a quebra do silêncio, colocou a coxa de volta no prato e observou John com toda a seriedade permitida por suas feições e pouca idade.

— Sim?

— Minha mãe está morta?

    Uma pergunta repentina. John sentiu o olhar da mãe, assustada, sobre ele, mas decidiu não retribuí-lo, tentando fazer com que aquela conversa parecesse a mais natural possível. Claro que levou um momento para digerir a pergunta. Deu um suspiro profundo e pousou os talheres sobre a mesa.

— Não creio que esteja -. Respondeu incerto.

    O menino não sorriu, nem fez gesto algum que demonstrasse felicidade, mas pareceu esperançoso.

    A rainha voltou a arrumar-se em sua cadeira, medindo as palavras ditas pelo filho, analisando a reação do neto e recordando-se da noite em que pedira à nora que nomeasse aquela criança como o homem a quem um dia amara.

— Eu gostaria de conhecê-la -. Disse o menino em um tom mais baixo, como se tivesse medo de machucar alguém com as palavras – Como ela era?

— Sua mãe foi a mulher mais bonita que já conheci, meu filho -. Respondeu tentando esconder a comoção, com um sorriso triste nos lábios. Ele não estava preparado para aquilo. Sabia que um dia aconteceria, mas não tão cedo.

— E por que ela não está aqui comigo, como as mães fazem? Como a vovó com você? Por que não está conosco?

    O interrogatório do menino fazia com que as feridas ainda abertas de John doessem mais do que podia suportar. Ele chegou a abrir a boca para responder, mas Eliza interveio com sua voz sempre baixa e calmante.

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