II

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Nova Orleans, 2005

Na manhã seguinte eu recolhi as cartas que iriam ser usadas na exposição e deixei as outras na caixa que devo devolver à Emma.

Já estava tudo no meu carro e eu estava dirigindo tranquilamente para o museu. Chegaria rapidamente, o tráfego não estava tão ruim e eu mantinha uma boa velocidade.

Assim que cheguei peguei a caixa com as cartas e entrei no depósito procurando a Emma. Ela estava arrumando algo na prateleira enquanto ouvia sua música em um toca-fitas preso em sua cintura. A música deveria ser boa, ela não prestava atenção em nada a sua volta e continuava a arrumar a prateleira concentrada, o que me deu um tempo pra observá-la.

Pode ser clichê falar isso, mas Emma não era mesmo como nenhuma das meninas que você encontrava por aí. Enquanto a maioria não saía de seus BlackBerrys, usavam mini-saias jeans, um blusa de alça finas e óculos estranhos, ela se sentia confortável em um jeans rasgado, tênis velho, a primeira blusa que visse no armário e um casaco maior que ela com um capuz, sem poder esquecer do toca-fitas que sempre estava com ela.

Aproximei-me dela e tirei os fones de sua orelha e coloquei nas minhas, curioso para saber o que tirava a atenção dela do mundo. Sorri ao ouvir a famosa música de Clube dos Cinco a tocar.

- Eu gosto. - ela sorriu fraco tirando os fones de mim e os deixando em seu pescoço. - Do que precisa?

- Primeiro, esse filme é realmente muito legal, e essa música é maravilhosa; segundo, achei varias cartas iguais com aquele papo de "não vou te esquecer", "sinto sua falta" e bla bla bla. - rimos um pouco. Mas era verdade, todas as cartas que lemos até agora tinham essas frases. - Mas achei umas com esse mesmo papo, mas que nunca forem sequer abertas.

- Sério? - ela me olhou curiosa e eu entreguei a ela o bolo de cartas do qual estava falando. Ela pegou a já aberta e leu sorrindo fraco, e logo observou as outras lacradas. - Nem ao menos selos elas têm.

Ela me devolveu as cartas e as guardei novamente no bolso do paletó.

- Eu sei, muito estranho. Por isso...

- Não! - ela suspirou vendo minha cara de pidão. - Não, já fiz muitos favores pra você nas últimas semanas, e não tenho ganhado nada em troca!

- Eu pago seu almoço por uma semana. - ofereci.

- Não.

- Pago o jantar do seu encontro.

- Não.

- Te levo pra sair.

- Não.

- Pera, o que? Está recusando sair comigo? - perguntei indo atras dela, que decidiu andar pelas prateleiras.

- Sim, primeiro que você está pedindo por interesse, segundo que eu não vou te ajudar. Conseguir as coisas para o museu é seu trabalho, o meu é só cuidar do depósito e fim.

- Tudo bem... Acho que vou ter que arranjar alguma outra pessoa pra poder andar comigo pela cidade a procura do soldado misterioso. - fiz um pouco de drama ainda a seguindo.

- Algo mais? - ela perguntou se virando pra mim e colocando suas mãos na cintura.

- Sim, acho que também vou precisar de outra pessoa pra poder correr atrás dessa linda história de amor, alguém pra viver momentos românticos comigo enquanto ouvimos a história desse bravo soldado. - fiz mais drama sorrindo.

- Ta! Você é muito chato. - ela finalmente cedeu e eu sorri vitorioso. - Mas...

- Merda...

- Vai arrumar as prateleiras por uma semana. - ela sorriu diabólica pra mim e eu revirei os olhos.

- Não é justo! - falei resmungando fazendo meu melhor bico.

- Pra mim é sim. - ela sorriu de lado. - Sai, tenho que trabalhar. - ela me empurrou então pra longe dela e voltou a por seus fones ouvindo Simple Plan.

~•~

Mais uma noite, mais uma carta, mais uma taça de vinho. Mas dessa vez a Emma estava comigo. Sentamos no chão e espalhamos as cartas pelo tapete, na mesa de centro ficava nossas taças de vinho e um prato cm queijo ressecado.

Cada vez que líamos uma carta que achávamos interessante, líamos em voz alta e ficávamos cada vez mais curioso pra descobrir quem seria nosso soldado.

- Ouça isso! - Emma exclamou e então forçou uma tosse: - "Querida Rute, saudade já não é a palavra certa pra descrever o que sinto nesse momento. Sentir falta já não descreve o sentimento que preenche meu peito quando as lembranças de nossas brincadeiras no lago e em baixo das cerejeiras me vem à mente...". Eles se viam em um lugar que tinha lago e cerejeira, não necessariamente os dois juntos, mas...

- Já é alguma coisa. - sorri pra ela e dei mais um gole no vinho. Ela guardou a carta e fez o mesmo enquanto me olhava. - O que foi? - falei me virando pra ela mantendo meu leve sorriso no rosto.

- Acha que é possível achar um amor desses? - ela perguntou baixo e logo o silêncio se instalou enquanto pensávamos na pergunta. Somente os estalos da lenha queimando na lareira se podia ouvir.

- Como esse? Não... - falei a olhando perder o sorriso e baixar o olhar. - Escute, cada pessoa tem seu próprio amor por aí... por exemplo, o meu amor ideal seria aquele que eu perderia horas falando sobre coisas desnecessárias, aquele amor que você ri escandalosamente sem ter medo da sua risada ser estranha...

- Esse é o amor que todo mundo quer. - ela me interrompeu e eu sorri levemente.

- Não terminei. E também, tem que ser o amor que vai fazer a pessoa encarar uma viagem maluca comigo por uma semana sem nem ligar que temos trabalho, compromissos e etc. - sorri terminando minha taça de vinho. - E o seu amor ideal?

- Um amor que faça o cara tocar minha música favorita na janela igual aqueles filmes bregas... - ela riu fraco e então olhou seus pés. - E aí aquela música não seria mais minha, seria a nossa música... e quando longe um do outro e ouvindo essa música, lembraríamos um do outro.

Seu olhar se levantou pra mim e nossos olhares se cruzaram. Talvez fosse o vinho, o papo, ou até o clima indesejado que a lareira estava causando, mas fomos nos aproximando lentamente um do outro. Até que o barulho de vidro caindo no chão ecoou e vimos uma das taças de vinho espalhadas pelo tapete.

- Sinto muito. - ela falou se levantando rápido e pegando as cartas. - Quer ajuda pra limpar?

Ela falou nervosa, com medo talvez de eu brigar por ter sujado o tapete ou algo assim, mas eu estava tranquilo e leve. Culpa do vinho.

- Tá tudo bem, amanhã eu chamo a empregada pra limpar. - sorri levemente e tirei a louça suja levando pra pia. - Quer que te acompanhe até sua moto?

- Não, estou bem. - ela sorriu levemente e deixou as cartas no sofá. - Tchau.

Acenou, e então se foi.

Eu arrumei as cartas as guardando na gaveta e me deitei pra dormir. O vinho foi saindo do meu organismo e eu fui relembrando a noite acabando por dormir.

Cartas Para RuteOnde histórias criam vida. Descubra agora