Nova Orleans, 1943
Depois do baile tudo se transformou.
Rute e eu no encontrávamos com frequência. Saíamos para tomar sorvete, andar de bicicleta e nadar no lago, fazendo piquenique embaixo de nossa cerejeira.
Conhecemos a família um do outro, e mesmo em poucas semanas, havíamos nos apaixonado. Até aprendi a costurar e me tornei ajudante de alfaiate na loja de seu pai. Estava tudo perfeito que eu cheguei a esquecer da guerra, que estava longe de acabar àquela altura.
Decidimos nos casar. Foi precipitado e parecia desejo de criança. Houve um jantar de noivado, mas no meio dele, Rute passou mal.
Não entendiamos seu súbito mal estar. Ela estava completamente saudável ao que sabíamos. Mas obviamente não sabíamos de nada.
Minhas visitas à casa de minha noiva eram para garantir que ela ficasse bem e viva, mas a cada dia parecia que Rute estava mais magra e pálida. Seus lábios já não estavam vermelhos vivos, seus olhos não tinham o típico brilho. Somente sua alegria e positividade continuavam nos fazendo acreditar que aquela era a nossa Rute.
- Como se sente hoje? - perguntei me sentando ao seu lado na cama. Ela se ajeitou colocando um travesseiro nas costas.
- Estou melhor... sempre fico melhor quando você chega. - ela sabia acalentar meu coração.
Me estiquei devagar beijando seus lábios devagar e então sua testa.
- O que acha de sairmos um pouco... seu médico liberou. Podemos ir na nossa cerejeira fazer um piquenique. - sugeri sorrindo e então segurei em sua mão. Ali tinha sua aliança de noivado que um dia havia sido da minha mãe. Era um anel de família que passara de geração em geração.
- Eu irei adorar aproveitar esse lindo dia com você. - ela se levantou devagar e tratou de se arrumar como sempre.
Eu obviamente saí do quarto. Noivos ou não, eu deveria máximo respeito à Rute.
Quando finalmente saiu do quarto, eu pude ver minha linda Rute novamente. Seus cabelos curtos enrolados na ponta, divididos lateralmente. Um pequeno chapéu amarelo claro que combinava perfeitamente com seu vestido também claro. Era rodado e ia até seus joelhos.
Naquele dia ela decidiu não usar as luvas. Quis mostrar sua linda aliança e unhas recém pintadas por sua mãe. Aquilo sem dúvidas me agradou. Saber que ela se orgulhava de mim e que não tinha medo de me amar.
- Tchau, mamãe! - ela se despediu antes que pudêssemos sair. A conexão que as mulheres Clark era incrível. Sempre juntas uma pela outra.
Como sempre eu abri a porta para Rute quando chegamos em meu carro, como sempre fazia quando íamos tomar milk-shake ou até mesmo ir para a loja juntos. As vezes passava em sua casa cedo pela manhã para irmos juntos cuidar dos ternos das pessoas mais esnobes de Nova Orleans.
Ela sempre olhava pela janela pelo caminho, como se quisesse gravar tudo. Como se sua mente um dia fosse se atrever a esquecer.
- Eu amo essa estrada... amo esses passeios de carro para nossa cerejeira. - falou animada encostando o braço na janela aberta do carro, e então ficou com a cabeça ali aproveitando o vento e paisagem.
Esse poderia ser mais um de nossos passeios, mas era mais que isso. Muito mais.
Estacionei quando chegamos e tratei de me apressar para abrir a porta para ela descer, segurando sua mão para isso.
- Quero te mostrar uma coisa. - falei sorrindo e, com cuidado, a puxei para a casa do lago. Era grande, de dois andares e feita de madeira.
A pintura era recente e a casa estava completamente cheia de vida. As portas e janelas estavam pintadas de branco e todo o resto de um amarelo que combinava com o vestido dela naquele dia.
Constantemente perguntava onde íamos, por que estávamos indo e quanto tempo ficaríamos ali. Nunca conheci alguém com tantas perguntas e curiosidade.
Quando cheguei a porta da casa com ela, segurei em seu rosto e acariciei devagar.
- O que acha de darmos uma olhada na casa? - confesso que tinha um sorriso suspeito no rosto, e que aquilo só despertava uma maior aflição dentro dela... uma boa, porém. Ela sabia que que eu jamais faria algo de ruim para ela.
- Joey, não temos a chave da casa. E seria invasão de domicílio. - sorriu para mim e logo me olhou desconfiada. - Está querendo cometer um crime para não precisar voltar para a guerra, senhor Elliot?
- Não! - acabei por rir e deixei um beijo em seus lábios. - Eu posso entrar... porque tenho a chave.
Ele me olhou ainda mais confusa. Abriu e fechou a boca diversas vezes tentando achar alguma coisa pra falar, ou achar a pergunta certa para fazer. Aquilo me divertia.
- O...o que? - finalmente perguntou confusa.
- Rute...é nossa. Comprei para nós. É nossa casa. - falei sorrindo acariciando seu rosto, podendo ver seus olhos brilhando como eu nunca havia visto antes.
Seu sorriso voltou, e ficou ainda mais lindo. E eu que pensava que aquilo era impossível.
- Nossa? Quer dizer... nossa mesmo? Vamos morar aqui? Vai... vai ser nossa cerejeira, nossa casa... nosso lago? - ela perguntou com animação.
Ali tive certeza de tudo. Que eu a amaria pelo resto da minha vida, e que aquela decisão nunca se mostraria errada. De poucas certezas que eu tinha na vida, essa era uma delas.
- Bom, acho que o lago pertence ao Estado, mas podemos chamar de nosso sim. - sorri e a peguei no colo girando enquanto a beijava.
Ela me abraçou como nunca antes. Seus pequenos e finos braços me apertavam, como se ela quisesse ter certeza de que eu estava ali. E estava. E nunca iria embora.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Cartas Para Rute
Romance1943: um soldado viaja para Nova Orleans para visitar seu pai doente. No entanto, o que era para ser uma visita à sua cidade para cuidar de seu pai, acaba apaixonando-se brutalmente pela filha do alfaiate da cidade. 1945: a guerra acabou e o soldado...