VIII

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Nova Orleans, 2005

Quando cheguei em casa, me deparei com Janice sentada em  meu sofá remexendo nas cartas que Emma e eu havíamos recolhido e trabalhado nos últimos dias, com uma taça de vinho na mão saboreando o mesmo.

  — Interessante tudo isso. É por isso que você não atende as minhas ligações e tem passado tanto tempo com aquela pirralha? - ela se levantou deixando a taça e as cartas na mesa de centro, andou até mim com seu olhar superior de sempre me encarando colocando as mãos na cintura.

— Janice, já conversamos sobre esse ciúme. Não temos nada sério e eu sou um homem adulto que pode fazer o que quiser sem dever explicações à alguém. - falei com uma certa frieza na voz e comecei a arrumar bagunça que tinha na sala. Haviam cartas espalhadas, uma caixa de pizza vazia, taças de vinho pela metade e canetas. 

— Nossa, desculpa então, Jack. - ela falou se aproximando de mim segurando meu rosto beijando meus lábios com calma. — Vamos pro quarto... o que acha? 

Ela continuou a passar a mão por meu corpo tentando convencer-me a ir pro quarto e transar como sempre, mas realmente não estava no clima pra isso.

—  Hoje não. Podemos apenas dormir e descansar, amanhã será um dia bem longo. - afastei-me beijando a testa dela terminando de arrumar toda a bagunça ali. Era óbvia a frustração dela em saber que apenas dormiríamos naquela noite, mas só de pensar nas malas que eu deveria fazer para poder viajar com Emma me cansavam - e animavam obviamente. A ideia de estar longe de tudo com ela em agradava bastante, ainda mais de toda a aproximação que estamos tendo nos últimos dias. Uma aproximação bem calorosa.

Após organizar toda a bagunça que aquela sala estava, fui para o banheiro tomando um banho rápido para dormir, colocando minha samba-canção. Janice já estava deitada apenas de lingerie lendo um livro que eu nem me preocupei em ler o título na capa, somente me deitei ao seu lado e puxei o cobertor por meu corpo e beijei a bochecha dela rapidamente.

  — Boa noite, Emma. - falei me virando para o lado e acabei arregalando os olhos quando notei o que havia feito. Puta merda.

— Emma? - ela se sentou me olhando. Eu conseguia ver a veia pulsando em sua testa pela raiva que ela estava. Eu não  a julguei, apenas me sentei e respirei fundo tentando achar uma maneira de escapar daquilo.

— Foi sem querer, ok? Passei o dia com ela ajeitando essa exposição que parece não ter fim, além de ter que começar a separar as coisas da nossa viagem. Foi só um erro de um cérebro cansado. - suspirei me inclinando para beijar sua bochecha novamente, mas ela se afastou e me encarou com suas sobrancelhas arqueadas.

  — Viagem com ela? - aparentemente eu não melhorei nada e só piorei a situação. Como sei disso? Eu recebi um belo tapa na cara, o segundo do dia, mas não teve um beijo em seguida.  — Você poderia ter o mínimo de decência e não sair em uma viagem com outra enquanto estamos saindo, Jack!

Eu respirei fundo enquanto erguia um pouco do meu corpo na cama, ficando apoiado em meus cotovelos enquanto observava Janice se vestir novamente. Estava confuso com tudo aquilo. Nunca havia pensado que ela ficaria tão possessa com uma viagem de trabalho com outra garota, principalmente quando nunca fomos exclusivos um do outro, sempre tivemos outros romances e aquilo nunca pareceu incomodá-la. Até agora.

  — Janice você está exagerando. Nós nunca namoramos, sempre saímos com outras pessoas. Por que de repente você está assim? - acabei por me levantar e vestir minhas roupas novamente. Apesar do cansaço, sono era a última coisa que eu estava sentindo naquele momento.

— Exagerando? Você me chamou pelo nome de outra, Jack! Tem noção do quanto isso é horrível? - ela sentou-se em minha cama calçando seus saltos e pegando sua bolsa que ficava no criado-mudo do seu lado da cama.— Me procure amanhã quando você entender a merda que acabou de fazer. 

Sem mais nenhuma palavra, ela deixou meu quarto e foi embora batendo a porta do meu apartamento. 

Deite-me na cama novamente sozinho encarando o teto pensando no que estava acontecendo na minha cabeça. Não podia acreditar que elas tinham um ciúme mútuo e não podia acreditar que eu estava mesmo no meio disso tudo. Quando foi que eu me meti no meio de toda essa confusão?

Não conseguia raciocinar direito e nem dormir, então acabei por ir ao meu escritório ler algumas cartas começando a preparar como seria a exposição, já que estava praticamente confirmado que aconteceria, faltando apenas ouvir o lado de Joseph Elliot e claro ter sua permissão para contar sua história de amor.

Acabei por encontrar uma carta que estava levemente suja de terra. Parecia ter sido escrita logo após algum confronto dos Estados Unidos com alguma tropa inimiga. Minha curiosidade foi completamente despertada, então abri a carta com todo cuidado do mundo e comecei a lê-la calmamente, no intuito de absorver todo o conteúdo dela.

" Querida Rute,

Já fazem três dias que estou na Itália. Estamos guerreando em Monte Cassino. Desculpe-me pela grosseria que falarei, mas não sei o que é um banho desde que cheguei. Não saio do campo de batalha, e estou em um enquanto escrevo-lhe esta carta. 

Confesso aqui meu medo de nunca retornar a Nova Orleans e nunca cumprir todos os nossos sonhos e promessas, por isso ponho aqui todo meu amor e desejo de ver-te novamente algum dia. Por vezes consigo ouvir nossa música tocando quando fecho meus olhos. Minha mão em suas costas nos guiando lentamente enquanto dançamos Dream a Little Dream of Me no restaurante ao lado da alfaiataria de seu pai.

Minha amada, não tens ideia de quanto sinto falta de suas delicadas mãos. Somente elas seriam capazes de curar de mim toda a dor com apenas pequenos toques sobre meus machucados. Anseio pelo dia que poderei sentí-las novamente e envolver-te em meus braços.

Com amor, 

Seu soldado."

Ler aquela carta me fez fechar os olhos e imaginar como seria a sensação de dançar com alguém por quem está apaixonado. O toque de suas peles causando aquele leve formigamento em seu corpo, espalhando as famigeradas borboletas no estômago.

Por um momento,  consegui me imaginar tendo o mesmo que o Joseph. Só não sabia se aquilo seria minha realidade.

Cartas Para RuteOnde histórias criam vida. Descubra agora