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Nunca fui bom demais em nada no ensino médio. No ensino fundamental também, infelizmente só tenho uma lembrança forte o suficiente para merecer espaço aqui.

A escola ia fazer um festival de jogos durante as férias e me escolheram para desenhar cartazes, eu tinha uma grande fama de desenhista, costumava sonhar em ser cartunista de verdade um dia. Inventava mangás e episódios de tudo que é desenho que gostava.

Tínhamos um prazo, uma semana para fazer desenhos em duas cartolinas. Tive uma ideia, aliás, só tinha aquela ideia: animes. Acabou que fiz uma Sakura Card Captors gigante. Demorei horas no desenho. Fiz o máximo para que parecesse uma folha de mangá. No canto oposto fiz uma carta com "you lose" escrito, como aquelas que a gente vê com um cara de chapéu rindo da pessoa. Fiz também duas mesas com pessoinhas jogando dados e escrevi algumas coisas para quem chegasse mais perto, tudo em preto e branco. Odiava colorir.

Entreguei o projeto faltando apenas um dia. Cheguei com a cartolina enrolada no braço e uma superioridade incrível vazando de mim. A primeira aula era de português, da professora que pediu os cartazes. Abri a cartolina na mesa para mostrar a ela. Não deixei ninguém ver antes.

Sua feição de "bom dia" se transformou em uma cara de nojo misturada a alguma coisa que só pude depois entender como ignorância.

Ela ficou ali olhando meu desenho, boquiaberta.

– O que é isso? – ela perguntou.

Reconheci a desaprovação, fiquei quente de vergonha.

– É Saku...

– O que é isso? – ela esfregou o dedo no desenho, borrando um traço.

Não pude responder.

– O que isso tem a ver com os jogos? – ela estava com raiva de verdade. Olhava nos meus olhos e me metralhava com ódio, como se eu tivesse cagado na mesa. – O que é essa mulher voando?

Eu só queria sair e chorar em algum lugar sozinho e ela estava tentando me fazer chorar na frente da sala, mas segurei. Apertei as mãos e a boca, mas ela encarou isso como deboche.

– Isso tá errado! Tá tudo errado! O que tem a ver mulher voando com o festival de jogos? – ela deu dois tapas na cartolina, mas não foram só dois tapas no papel, foram dois tapas no meu desenho. – Olha isso! Que porcaria é essa? Aliás, olha esses aqui – ela apontou para as pessoinhas jogando dados – Esses é que deveriam estar grandes! Isso tá errado!

Todo desenho que eu fazia ou era de algum mangá que lia ou era a recriação do mangá com um monte de coisa inventada. Tive a impressão que ela fosse rasgar a cartolina na minha frente.

– Não dá mais tempo de fazer outro! E agora? – ela perguntou.

Continuei firme na minha missão. Segurei o choro.

– Cadê o Rodrigo? Ele fez o dele igual a isso? – ela deu outro tapa no desenho. Dessa vez assustei e isso fez uma lágrima cair, tão pesada que a ouvi quando bateu no chão. Cocei a cabeça e não respondi. Rodrigo era um amigo que também fora encarregado de fazer um cartaz. – Não acredito nisso.

Não me lembro de mais nada dessa cena. Rodrigo havia feito um perfeito para os jogos e no fim das contas ela foi obrigada a expor o meu junto, também não sei por quê. Chorei tanto naquele dia que precisei ficar todas as aulas seguintes escondido no banheiro.

Agora sobre o ensino médio.

Nunca perdi o prazer ou o talento para os desenhos, mas criei outros e os estudos meio que tomaram toda minha atenção, pois repetir algum ano seria a mesma coisa que assinar o aviso prévio para morrer. A maior falha do mundo.

Mal sabia eu quantas falhas estavam por vir piores do que aquela.

Notas na média. Sempre um 6,0 de 10 e o suficiente para não repetir. Quase não deu para passar em Artes no primeiro ano, mas a professora deu os pontos que eu precisava em troca de um livro ilustrado. Era um projeto de português, a gente teve que recriar uma história com desenhos, acho que meu grupo não teve a nota mais alta, mas os desenhos chamaram atenção.

A Fuvest não viu isso.

A gente tinha um professor de matemática que todo mundo odiava no segundo ano. Ele inventou de me coletar.

"O Ciso se esforça muito" ele disse para minha mãe uma vez. "Os outros têm que aprender a fazer que nem ele.".

Só que nunca cheguei a tirar nem as notas médias com ele, era sempre um 3 de 10 ou um 2,74 e mesmo assim acabava os bimestres com notas azuis. Não ficaria tão feliz se ele me desse um saco de dinheiro.

E a Fuvest também não ficou sabendo disso.

Não há uma gaveta que as faculdades possam puxar e olhar isso antes de aplicarem mil e quatrocentos reais de mensalidade ou um vestibular absurdo de duas fases? Para onde vai tudo que a gente aprende no ensino médio, o que a professora de Artes e o professor de matemática viram, o que a gente aprende de verdade, se não está disponível para os caras da próxima etapa?

Para não dizer que nunca usei meu ensino médio para nada, aqui estão dois exemplos:

1.      Usei no currículo. "Escolaridade: Ensino Médio Completo" – exigência da maioria das empresas que não são retardadas o suficiente para pedirem ensino superior em qualquer coisa para o cargo que querem que você exerça.

2.      Usei no cursinho. Eles pediram meu histórico escolar para reduzir o valor das mensalidades.

Tá, e daí?

Só isso?



NOTA DO AUTOR

bloguinho do autor: Por hoje é só, não deixe de votar ★ para a história crescer, se você gostou, é claro.

Obrigado pela leitura. Esse negócio de postagens, capítulo duplo, quintas-feiras, é uma puta adrenalina pra mim e agradeço as quase 500 leituras nesse mês com só 8 capítulos no ar. "Tento ao máximo fazer as pessoas apostarem em mim, pois só aí tenho incentivo para me sair bem." Cáp. 3

Agora um teaser do próximo capítulo, nosso próximo encontro é em 6/04:

1. Se ele tivesse nome eu o chamaria de O Púlpito.

2. Envolve Ciso, Salvador, uma sala de eventos vazia e um púlpito.

Só isso.

Douglas

O GabaritoOnde histórias criam vida. Descubra agora