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– É a última-última tentativa? – perguntou Sabrina.

Estávamos saindo do prédio na Paulista onde tinha acabado de me matricular no cursinho, antes da quinta tentativa. Eu estava na secretaria e ela me esperava do lado de fora, nervosa por mim. Via o Ciso dentro da sala de vidro fazendo cara de choro para um japonês de bengala. Fiz a prova para bolsa uns dias antes, mas se você quisesse podia ir à secretaria conversar com os coordenadores para tentar ter um desconto maior.

– Última-última. Dessa vez eu vou passar. – respondi.

Carregava uma mochila molhada da chuva e tive que pegar uma senha ao entrar, a secretaria estava cheia de alunos da mesma prova de bolsas que eu tinha feito. Entreguei meu histórico do ensino médio – olha onde ele aparece – e aguardei uns quarenta minutos. Estava quase sem um tostão então esperava que eles diminuíssem a mensalidade para pelo menos quatrocentos reais. Sabrina do lado de fora, com nossos casacos na mão. Das quatro estações diárias da cidade ainda não tínhamos o inverno, mas tínhamos os casacos.

– Isso é um investimento – ele tinha dito para mim. – Sejamos honestos, temos várias exceções no mercado pedagógico. O professor sem dúvida tem um enorme papel na vida das pessoas... você tem quantos anos?

– Vinte e um.

– Pois bem, Narciso – não tinha me apresentado como Ciso, de cara não gostei dele. – Digamos que você se forme e dê aulas até os trinta anos. Você sabe quanto ganha um professor? – Esperou eu responder, mas eu tava com vergonha, não conseguiria abrir a boca nem que me forçasse. – Eu sou a exceção. – Ele pôs a mão no peito, falou como se corrigisse um pensamento meu, como se tivesse lido em mim algo como: "mas então como é que você é bem-sucedido? ".

Um engano enorme da parte dele.

– Eu sou uma das exceções, mas não é todo mundo que é! Esse lugar aqui, essa cidade – Ele bateu o indicador na mesa, que era envelopada com um mapa de São Paulo. Entre a nossa e a mesa do lado havia um espaço seguro, não ouvíamos o que o outro coordenador conversava com o outro aluno, mas o tom de voz que vinha da nossa mesa quebrou o espaço seguro. – Não é feita de sonhos. Você é um jovem feito de sonhos, mas isso aqui não. – Ele agora circulava a cidade com o dedo. Não mexi os olhos para saber se o professor e o aluno da mesa ao lado prestavam atenção, mas os ruídos da sala toda diminuíam a cada segundo, como se a cada segundo alguém parasse de falar para ouvir o que ele estava falando. – Agora o sonho de fazer letras e absorver conhecimento – ele disse isso de modo pejorativo – pode ser incrível, mas daqui a sete, oito anos, você vai querer sustentar uma família com um salário de mil e poucos reais?

Não sei se foi por causa da minha expressão, mas ele sentiu a liberdade que precisava para entrar com tudo no assunto ser pai em São Paulo e por alguns minutos decidi que assim que ele terminasse de falar eu apagaria tudo da minha cabeça e, sinceramente, aconteceu. Não me lembro de nada desse pedaço.

Reparei que Sabrina não se sentava, só ficava lá em pé olhando para mim. De vez em quando dava uns passos para o lado e depois de volta, mas não sentava.

– ... como investimento sério que é esse aqui, porque eu poderia somente lhe conceder o desconto e te deixar ir embora, mas não vou, pois não sou uma máquina, sou um professor, espero que considere meu conselho de mudar de curso durante o primeiro semestre. No segundo você vai estar com a cabeça focada no curso que realmente quer e já vai ter aprendido o bastante. Talvez, a ânsia pelo estudo e pela aprovação te prepare até mesmo para medicina, de forma que, no final do ano, você poderá prestar para qualquer coisa e pronto. Será aprovado...

Observar Sabrina tinha sido um erro, ele engrossava a voz a cada gesto de desinteresse que meu corpo deixava escapar.

Não fiz nada, só continuei olhando para a cara dele. Parecia ser daquele tipo que acha que sabe tudo de linguagem corporal, por isso fiquei o mais imóvel possível, nem engolia a saliva, um pigarro então nem pensar.

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