9

105 22 4
                                    

Passei mal de imaginar que o poema não estivesse bom, mas tentava não pensar tanto nisso, sabia que precisaria de tempo, ele seria beneficiado com o tempo, não tinha jeito. E toda hora queria mostrar para outra pessoa pra saber se ela sentiria a mesma coisa que eu, porque aquilo era muito bom!

E eu tinha material para aquele projeto. Mas de repente começaram a aparecer mil complicações na cabeça, você só percebe a dificuldade do alvo quando mira nele. Apesar de ter aquele material incrível, ainda faltava muito.

Não sabia o que sentir, toda hora ficava triste e depois feliz e depois triste de novo, isso me deixava tonto e cansado, mas era novo, afinal não lembrava como era esse negócio de fazer uma coisa boa pra mim, ter uma ideia nova e achar que ela podia dar certo.

– Você escreveu um poema? – perguntou Salvador.

– Presta atenção, Salvador! – eu disse. Suava apesar do ar-condicionado ter ficado ligado. Sentia minhas axilas colarem quando abaixava os braços. – Como pediram essas mesas mesmo?

As mesas eram no formato prancha e podiam ser dobradas e coladas umas nas outras. Tínhamos quilos de lycra que usávamos para cobrir a parte de baixo para que não parecessem pranchões, mas mesas executivas. Uma favela cinco estrelas, era como Salvador chamava.

– Essas aqui podem ficar de qualquer jeito, mas não acho jeito nenhum!

As mesas para o coffee break já estavam prontas, mas os clientes queriam dois pranchões a mais. Eu não sabia onde colocá-los e não tinha sido deixada nenhuma instrução.

Imaginei o que fazem as pessoas que não fazem o que gostam. Não estava exatamente em uma posição horrorosa de trabalho, mas escrever não tinha nada a ver com operacional de eventos de um hotel. De madrugada.

Isso me deixou um pouco triste. Não importa de quantos problemas a gente se livre, sempre acha outro pra reclamar.

– Deixa a mesa aí, Ciso – ele disse, balançou o braço pra mim – quando o pessoal do banquete chegar eles vão saber arrumar.

– Se o pessoal de A&B vir essa merda eles vão fazer um inferno.

A terceirizada de A&B do hotel era campeã em maior falsidade por metro quadrado. Dependíamos deles a ponto de não poder tratá-los mal, porém era quase inevitável. Era a oportunidade que eles queriam: um funcionário do hotel fazendo merda.

Coçar o nariz e dar um peteleco na meleca para que voasse longe naquele lugar podia causar sua demissão se fosse denunciado para a pessoa certa. Levei uma advertência uma vez por andar com o blazer aberto.

Os meninos sempre me avisavam quando estava com o sapato sem brilho ou com algum fiapo solto no uniforme. Todos estavam atentos a tudo de forma que jamais sabíamos quem delatava o quê. Olhei em volta de novo, não cabia mais nada em lugar nenhum. Aqueles pranchões não faziam sentido.

O salão Bon era comprido e estreito com janelas do teto ao chão. Estava em formato auditório com um palco e púlpito de madeira. Subi no palco.

A vista ficou um pouco diferente.

Via um monte de ângulos que nem sabia que existiam. Vi Salvador parado ao lado de onde ficaria o coffee break e todos os participantes imaginários do evento da manhã seguinte. A energia me atingiu em silêncio. Deixei a adrenalina correr. Era como quando meus pais viajavam e eu ficava sozinho, a noite se transformava em muitas possibilidades: silêncio absoluto, TV, videogame, pornografia e luzes acesas depois das três da manhã. Um ritmo de acontecimentos que me empolgavam.

E havia o púlpito.

Coloquei minhas mãos nos cantos dele, fingindo pose de palestrante, olhei para as pessoinhas de mentira como se estivesse falando algo muito sério.

O GabaritoOnde histórias criam vida. Descubra agora