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Acordei meio pesado. E sensível também, a luz fazia meus olhos arderem. Meu coração batia forte como se tivesse lembrado de algo muito importante que não deveria ter esquecido, e era urgente que eu me levantasse.

Faltava menos de uma hora para a reunião.

Vesti uma calça qualquer e os tênis sem colocar meias e antes que pudesse perceber já estava no térreo, não tinha nem escovado os dentes, os olhos ainda remelentos.

Então acho que tinha decidido ir no fim das contas, mesmo sem saber que tinha decidido.

Eu só queria que o dia acabasse. Simples. Entrar, ser demitido e sair.

Esqueci os fones, mas não fiquei com raiva disso, não sabia de nada, meus pés e todo o resto tinham vontade própria, eles estavam de saco cheio e me levavam a algum lugar. Não olhei para ninguém, só segui o caminho que meu corpo mandava, estação Campo Limpo, troca para a CPTM na estação Santo Amaro, desce na Berrini, anda mais um pouco.

Passei pelo bafo. Os seguranças da portaria me olharam de um jeito diferente na entrada.

Era dia. Dia, porra! Eu veria as pessoas e elas me veriam. Mas que grande merda.

Senti que não tinha como escapar daquilo rápido, daquele jeito que eu queria, e imediatamente me senti em uma armadilha horrível, uma onde eu mesmo tinha me enfiado.

Implorei na minha cabeça para não ver algumas pessoas, o que eu tava fazendo? Porque tinha entrado pela área de serviço? Se continuasse aquele caminho seria obrigado a ver um monte de gente. Fui para a área social, Dino passava pela recepção em direção a mim, mas não me reconheceu de primeira.

Ele parou ao meu lado com o celular na mão, não me virei, mas as paredes em volta dos elevadores eram espelhadas e eu ficava olhando para ele, esperando alguma coisa que matasse aquele momento, que acabasse com aquela excitação de tê-lo encontrado antes da hora, de ele estar ali sem me reconhecer.

O elevador chegou. Ele não olhou para mim, mas fez sinal para que eu entrasse primeiro. Agradeci.

Ele olhou para os meus tênis e subiu até a minha cabeça bem devagar. Eu não tinha minha mochila comigo, mas andava um pouco curvado, talvez de nervoso. Me reconheceu só quando as portas do elevador já estavam fechadas.

Talvez fosse um espanto triste que vi nele, talvez um pouco de ódio, talvez não fosse tão importante assim para merecer uma reação e estivesse só imaginando coisas. Ele torceu o lábio e levantou as sobrancelhas e piscou um olho para mim. Não houve espasmo, nem um elemento amigável, ele parecia ensaiado para fingir surpresa só para não parecer rude.

– Então você veio hoje.

Fiz que sim com a cabeça.

Não consegui ver aquela paternidade dele para mim. Nem seu fantasma. Ele fez sinal para que eu saísse primeiro e agradeci de novo. Andamos um ao lado do outro até o balcão onde estavam as meninas. Talvez houvesse duas ou três pessoas passando pelo foyer, mas não percebi.

Dorinda estava no balcão, uniformizada, assim como todas as outras, claro. Me olhavam como se tivessem acabado de me socorrer de um afogamento. Aparecer ali, andar pelo foyer daquele jeito, sem uniforme, era uma falta muito grave.

– Senhoras – disse Dino – por gentileza para a sala 4 para a reunião. Dorinda, você e o Ciso vêm comigo.

O seguimos em silêncio pelo foyer até sua sala. Lá dentro estavam a outra gerente operacional e a menina do RH, Margarete, seja lá o que porra um RH faça.

As duas sorriram e me deram oi, estavam sentadas de costas para as paredes de vidro que tinham uma vista para a ponte estaiada. É agora, pensei, é agora. Infelizmente ficamos um tempo em silêncio, parecia que ninguém sabia qual era o roteiro, quem tinha coragem de dizer suas falas primeiro.

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