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Nos breves momentos em que me preocupo com o porquê de algumas pessoas passarem tanto tempo sem falarem comigo acabo imaginando que elas estão felizes, demais até, felizes demais para se importarem, ou infelizes demais, e depois de decidirem qual dos dois estão eu deixo de ser uma boa companhia para essa hora em particular.

E essa hora pode durar meses.

E não importa, o motivo. A desconexão não tem muito a ver com isso, na verdade. Porém me pego sentado na ideia de que, no fim das contas, acabo me tornando um objeto reciclável, mas que sempre vira a mesma coisa, por isso passo um tempo ignorado, porque eles já sabem o que vão encontrar depois da reciclagem.

E sinto uma grande vontade de quebrar isso, quebrar o que eles decidiram, foda-se quem está feliz ou triste, não somos adultos? Aquele negócio de quem mandou mensagem por último não pode ser o primeiro a mandar uma mensagem no dia seguinte não deveria servir para os adultos.

Eu: Oi Cissa

Eu: Você ainda vai se formar?

Eu: Eu ainda estou convidado?

E me senti idiota assim que li. Por que motivo mandei três mensagens separadas?

Porque seriam três notificações para ela.

Por que merda de motivo eu quebrei o silêncio?

Porque nem Cissa nem Luigi sabiam o que estava acontecendo comigo. E o casamento e a formatura estavam a apenas uma semana do dia em que fui demitido.

Eu ainda sentia o coração de Salvador bater na minha cara quando voltava para casa. Estava vivo, igual tentar dormir depois de um dia no mar, você ainda se sente na água. O perfume dele ainda estava em mim, e acho que estava tudo... bem. Porque, infelizmente, eu nunca fui o suficiente para mim, e às vezes tenho lembretes disso, como todos os vestígios do abraço de Salvador, porque para ser eu... para eu ser...

"Porque para ser eu"?

Senti as palavras subirem em mim como vômito e puxei o celular do bolso com tanta dificuldade que já havia esquecido o primeiro verso quando abri o bloco de notas. Queria colocar a batida do coração de Salvador em texto, meu Deus, por favor, me ajuda a transformar isso em texto. Uma vez vi um homem no Tietê, estava na plataforma esperando o ônibus para ir visitar meus pais, e ele digitava tão rápido no celular que coloquei como meta de vida digitar daquele jeito. Era exatamente o que estava fazendo: realizando dois sonhos de uma vez. De repente apareceu um banner avisando que Cissa havia respondido minha mensagem. Isso não quebrou meu clima.

(...) Preciso de alguém para me afagar,

Porque o seu toque em si mesmo

igual ao de outra pessoa em você

jamais será.

Dessa vez mal podia esperar para chegar em casa. Parei diante da montanha, a ladeira gigante que tinha que subir todos os dias. Estava pilhado, planejei fazer isso um dia, lembrei daquilo naquele momento, porque em algum miserável dia do passado eu havia pensado que poderia subir aquilo correndo.

Decidi que aquele dia estava acontecendo.

Corri, e imediatamente senti todas as limitações do meu corpo, mas as ignorei.

Gemi um pouco com o ar duro e seco de corredor amador entrando e saindo. Tudo estava doendo, mas eu só queria fazer o que meu corpo mandava para sentir mais, muito mais daquela adrenalina, muito mais rápido. Corra como se o chão estivesse desaparecendo, eu pensava. Vai, Ciso, vai!

O GabaritoOnde histórias criam vida. Descubra agora