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Tive um sonho horrível. Só sei classificar como pesadelo quando se parece com um filme de terror no estilo vilão assassino versus protagonistas indefesos então não pude colocar esse na mesma categoria. Eu acordava, ainda estava claro então presumia que fosse horário de verão. Meu relógio digital, coisa que nunca tive na vida, mostrava 19h29. Olhava em volta, infeliz, afinal só naquele momento tinha acesso às memórias que o sonho me dava: havia trabalhado e depois voltado para casa e dormido o dia todo e eu tinha que tomar banho e me trocar para ir trabalhar de novo. Havia perdido o dia de cursinho, as aulas de química, física, gramática e inglês. Fiquei tão infeliz, como quando sonhamos com dinheiro e acordamos ainda pobres, que comecei a me estapear. Sentia minha cara quente, mas não sentia o impacto dos tapas, por isso batia cada vez mais forte e rangia os dentes de ódio, a saliva voava de dentro da boca com a força dos tapas. Comecei a chorar, xinguei a mim mesmo por acreditar que tinha me livrado daquela parte da vida de merda que eu levava, me achando um burro patético que caíra na história de que era possível não ser infeliz. Não tinha sido mandado embora, não tinha escrito nenhum poema, não tinha amigos, só tinha um relógio digital, um emprego e um cursinho pré-vestibular.

Acordo exausto, suando e respirando igual maluco. O poder do sonho me faz acreditar que tive um ataque de sonambulismo e por algum tempo fico procurando um canto iluminado para observar até que consiga me acalmar. Volto a dormir por um segundo, mas o cenário do sonho aparece de novo e eu tomo um susto, sinto que gritei NÃO, mas não tenho certeza. Sou obrigado a levantar, não posso correr o risco de voltar para o mesmo sonho de novo. Fico sentado na minha cama, observo o quarto, esperando a sensação ruim passar.

Era só um sonho. Porra, era só um sonho.

Há uma xícara na minha cabeceira. Sinto o sorriso bagunçar toda a circulação sanguínea do meu rosto quando olho para ela, a orquídea desenhada na lateral. Falo comigo mesmo. Acho que digo "orquídea" algumas vezes e sinto cócegas no peito. Falar em voz alta comigo mesmo faz parte de não me permitir passar os dias em silêncio também.

Me sinto grato. E um alívio me enche de êxtase.

A madrugada gelada me acolhe, e o fato de o sonho ter sido só um sonho me deixa satisfeito com a solidão do Plano A. Estou em paz com a cidade, ela premia minha coragem com boas energias de vez em quando, mas não quer dizer que eu seja feliz, só quer dizer que consegui sair do Plano B. E não pretendo mais voltar.

Talvez Cissa estivesse certa sobre eu estar limpo. Naquela época ainda não havia entendido, só ouvido as palavras e deixado elas lá, para depois, e de vez em quando esse depois aparece. E mesmo com recorrências como esse sonho, e outras desesperanças diárias que tenho desde então, talvez ela estivesse certa.

Talvez eu finalmente estivesse limpo.









NOTA DO AUTOR
(1x22– Series Finale)

POR FAVOR não deixe de votar ★ e especialmente hoje nosso bloguinho do autor estará nos Agradecimentos. ➜ ➜ ➜ Hoje infelizmente não é só um Season Finale, mas um Series Finale.

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