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Chorar na cama foi desespero. Chorar no banho seria uma terapia planejada.

Por isso guardei o banho para depois. Eu poderia chiar de boca aberta e quando acabasse tudo ficaria melhor.

Havia papéis espalhados por toda parte. Todos com o logo da Fuvest em algum lugar. Havia simulados respondidos, um monte de anotações coladas em post-its nas bordas da TV e várias Fuvestes antigas espalhadas. Os livros de estudos sobre as nove obras obrigatórias, inclusive as nove obras obrigatórias ao lado deles. Foi como ver estilhaços de mim. Por toda parte. A Fuvest era parte de mim e estava carimbada em cada cômodo da minha casa. Não tinha reparado nisso antes.

Acho que encontrar pedaços de você mesmo deveria ser um bom sinal porque, talvez, agora que sabe onde estão, pode juntá-los e montar um você inteiro. Mas juntar todo aquele Ciso espalhado na minha casa não ia montar nada.

O interfone tocou.

Fui até o celular antes de atender e vi várias mensagens de Cissa: "Já estou chegando" e "avisa o porteiro pra me deixar subir" e "Ciso, você ta em casa, né?". Estava perdido no tempo.

Às vezes é até bom ter menos tempo pra mim, assim não sou obrigado a gastá-lo como gastei antes dela chegar: assediando toda minha mente.

– Ciso, você... Ciso, você tava chorando? – ela disse.

Ela estava maquiada, o lápis de olho a deixava tão diferente que me senti intimidado. A franja estava escovada e pude sentir o cheiro do perfume em excesso, provavelmente com as narinas já acostumadas com o cheiro teve que borrifar até que ela mesma pudesse senti-lo.

– Eu tava tomando banho. – respondi. No susto. Não esperava que ela pudesse fazer uma observação dessas logo de cara, imaginei que fosse ser mais sutil.

Cissa não havia passado em casa na última vez que nos falamos, quando me contou da formatura. Isso acontecia muito, passávamos um tempo em alta frequência, conectados, mas podia demorar até que pegássemos a mesma frequência de novo, como se estivéssemos num túnel longo. De repente ela aparecia.

– Seu cabelo não tá molhado.

– Eu sequei com o secador.

Ela entrou em casa, foi ao banheiro, abriu a porta e acendeu a luz. Nada. Nenhum vestígio de banho. Ela sorriu. Perguntei a mim mesmo se ela estava fazendo aquilo por mim ou por ela.

– A desculpa do "não lavei o cabelo hoje" seria melhor. – ela apagou a luz e fechou a porta – E você não tem um secador.

– Eu chorei sim. – eu disse. – e depois eu dormi.

Fiz sinal pra que ela sentasse e fui buscar água. Acendi as luzes e abri a janela perto do sofá pra sumir aquele cheiro de bafo de quem não escova os dentes. Estava morrendo de fome.

– Eu tava pensando no casamento  – ela disse – no casamento e na formatura, porque eles são no mesmo dia né, eu tava pensando nisso.

Eu também, pensei, mas não como você.

– É muita coisa, né Ciso. Se você não quiser ir não tem problema pra mim. Eu vou chamar uma amiga pra comer depois e tudo bem...

Fiz que não com a cabeça.

– Que merda é essa, Cissa, não. De jeito nenhum, pior do que ser convidado é ser desconvidado.

Ela falou, mas minha cabeça estava em outro lugar. Esse tipo de merda não tem solução. Fiz que sim com a cabeça e ela não notou. O que eu estava fazendo de errado que ela não estava notando meu desgosto?

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