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Os dias seguiram como uma roda gigante toda apagada. E eu, entediado, só esperando a hora de descer.

Cissa não fez mais nenhuma aparição especial, como previ. E Luigi, bom, Luigi tinha mais o que fazer. Outras amizades que eu tinha também continuavam dispersas, eram amizades desconectadas.

O livro estava interessante, jamais me imaginei gostando de uma coisa horrorosa daquelas. Tinha criado um carinho tão grande pelo autor que me sentia obrigado a ver tudo que ele queria mostrar.

A sensação de querer ler era nova. Estava aproveitando cada minuto daquilo.

Secretamente repudio pessoas que leem rápido. Terminei os quatro em uma semana, ouvia quando era pego lendo o primeiro de uma saga. Trezentas páginas por dia; Minha meta são cinco livros por mês, mas com mais de duzentas páginas cada, essa foi a pior. No Edgar Miller, por exemplo, a personagem principal conseguia "devorar até cinco clássicos por semana". Não sou distribuidor de medalhas e não dou nenhuma honra aos que leem rápido, mas vivo ouvindo absurdos desses como se fosse obrigado a puxar do bolso uma moeda de ouro e dar à pessoa. Lembro que terminei Nada da Jane Teller e O Pequeno Príncipe em um dia só, mas isso só porque eram curtos. O Última Bala de Festim tinha mais páginas do que eu tinha paciência de lembrar.

*

De repente me atingiu o peito uma sensação grande:

Não tinha mais que gastar dinheiro com cursinho!

Estava sozinho à tarde, sem fazer nada mesmo, só comendo e cochilando pela casa. E meu dinheiro ainda estava na minha conta e meu vale refeição estava intocado.

Era a primeira vez em 5 anos que não estava começando uma turma nova de pré-vestibular.

Desci a pé ao shopping Campo Limpo e comprei quase um quilo de chocolate.

Vi Edgar Miller na livraria. Não o cara de verdade, mas uma pilha de Última Bala de Festim em "mais vendidos". Tinha uma foto enorme dele impressa num daqueles papelões em forma de gente, devia ser tamanho real. Puta merda. Ri e tirei o boné em reverência a ele.

Eu tinha um projeto, uma bobeira que me confortava quando ficava assustado pensando que não ia passar na Fuvest. Uma página, talvez um blog, algum lugar onde pudesse escrever. Mas não tinha o conhecimento que precisava. Quando estava bolando a página a imaginava em etapas: seis meses de faculdade; nove meses de faculdade; um ano de faculdade. Os poemas me traduziriam. Seria a minha maturidade literária e formação linguística inseridas em um espaço cativante. Mas que porra tinha acontecido com aquilo mesmo? Ah, sim, a parte da faculdade estava travada. E eu estava emperrado na vida com ela.

Em cada canto daquele shopping havia vasos com flores. O formato daquelas (não sei nada de flores) me lembrava paisagens. Eram maravilhosas. Estava com a mente tão desocupada que reparei que algumas eram de mentira.

Orquídeas. Lembrei por causa da minha xícara: a flor favorita da minha tia era a orquídea.

Como era interessante alguém achar que enganava os passantes com uma flor falsa daquelas sendo que tinha tantas verdadeiras espalhadas no mesmo ambiente. O plástico engana pouco, mas pinta a ideia do original. A verdade era que orquídeas eram orquídeas. De plástico ou de verdade.

Meu primeiro poema.

Pulei de susto.

Olhei em volta como a gente faz quando tá procurando algo que precisa ser rápido, acho que procurei por papel e caneta. Puxei o celular e abri o bloco de notas. Encostei na parede e digitei tão rápido que o corretor automático mudava quase todas as palavras. O que sei sobre poemas? Versos + versos = estrofes. Tomei cuidado de escrever cada verso só até onde ia a tela do celular sem usar a próxima linha. Meu sangue ferveu e comecei a suar. Apaguei algumas palavras quando percebi que não existiam. Só escrevi o que sabia que estava de acordo com a diagramação de Sentimento do Mundo, o único livro de poesia que de fato li na vida.

Meus versos livres. Graças a Deus que lembrei dos versos livres. HAHA eu estava num puta santuário.

Aquele era o lugar onde eu queria estar.

Acabei. Estava sorrindo. Algumas pessoas passaram e me olharam de canto. Eu parecia uma pessoa comum com a cara enfiada no celular, rindo para o celular. Isso me deu um pouco de vergonha.

Voltei à livraria e comprei a versão física de Última Bala de Festim só para dar mais dinheiro pro filhodaputa. Ouvi no meu filme favorito que às vezes o autor ganha só um dólar por livro. Que tipo de merda é essa? No Brasil não é dólar, mas mesmo assim. Pouco. Será que eu conseguiria fazer as orquídeas valerem mais? Afinal eram tão preciosas. Decidi que trabalharia nisso nos próximos dias.

Meu primeiro tesouro.

As Orquídeas.




NOTA DO AUTOR

Obrigado pela companhia!

Se gostou por favor não deixe de votar ★ e bora pro próximo capítulo que hoje são DOIS de uma vez, o e o

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