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Eu: Luigi, aqui vai o endereço: (...). Vou precisar mostrar o convite no lugar?

Eu: Onde você tá? Pode falar agora?

Eu: Liga pra mim quando puder.

Não senti vontade de chorar, mas estava desesperado.

Se você vier amanhã você vai ser mandado embora.

Eu realmente era uma pessoa diferente, de antes, de antes do resultado da última Fuvest. Tanto que seria demitido por causa dessa diferença.

Passei a noite numa tremedeira de excitação e medo, e as horas passaram rápido demais. Ainda não sabia se viria na reunião do dia seguinte, não tinha um plano nem nada, hoje vejo que aquela foi uma coisa boa de se sentir, passei a noite vendo vários filmes na cabeça, filminhos de possibilidades. E os corredores se tornaram enormes obras de arte, olhava para cada coisa como se fosse a última vez e isso dava um grande charme para tudo. Ao mesmo tempo desejava Salvador ali comigo e não queria, afinal aquele tipo de coisa só conseguia ser sentida sozinho. Queria perguntar a alguém o que fazer, talvez conversar um pouquinho.

Todos os detalhes me pegavam, lembrei que aquele fora o primeiro lugar na vida onde vi aqueles computadores com CPU no monitor. Os teclados eram macios e uma delícia de se digitar. O uniforme era alfaiatado, os banheiros eram lindos e a gente sempre comia um monte de coisa boa que sobrava dos coffee breaks quando eu ainda trabalhava de dia. Eu gostava de andar no carpete e gostava de ouvir o sapato batendo no chão igual salto alto quando chegávamos ao piso frio. Nos banheiros havia aqueles papéis cobertores de assento, sabe, aqueles que têm a forma do assento, e as pias eram umas cubas quadradas e altas com torneiras que abriam quando você aproximava a mão.

E eu sentia uma solidão tão grande. Era como se eu tivesse um mundo inteiro de luzes, uma rua enorme para andar sozinho, via os carros passando e estacionando, mas não conhecia ninguém. Tinha possibilidades, promessas, você pode fazer isso, você pode ir, tinha um monte de coisas para fazer um monte de coisas, mas não podia fazer nada porque estava sozinho. Não tinha ninguém para dividir aquilo. E eu poderia aproveitar aquilo tudo, claro, poderia fazer o que eu quisesse, mas não podia sem ter alguém. Eu precisava dividir aquilo.

Infelizmente não foi Dorinda que apareceu para o próximo turno. Não perguntei por ela. Só segurei o silêncio e saí o mais rápido que pude.

Fui para o último vagão, lá no final da plataforma. Quando o trem parou fiquei olhando meu reflexo na janela. Eu parecia um maluco.

Cara de maluco mesmo, olhos arregalados e postura estranha. Olhei para mim e olhei para trás de dentro da estação vendo a Av. das Nações Unidas. Talvez não voltasse mais. Eu jamais faria o mesmo caminho como antes.

Passou um homem e nosso olhar se cruzou. Ele desviou e pegou o celular, mas eu continuei olhando para ele, esperando ele olhar para mim de novo, não tinha mais vergonha daquilo. A gente sempre tenta não mostrar desespero por aí, mas a verdade é que estar no desespero é esquecer de tentar não mostrar, de repente você percebe e não liga mais que está andando por aí com cara de maluco.

Estava contando as piscadas. Meu último dia. Talvez nem desse tempo de dormir. Talvez fosse mentira. Por que Dino tinha que anunciar aquilo?

Havia uma garota lendo O Cortiço. Só que ela lia com raiva, passava os olhos pelas linhas como se estivesse destruindo cada palavra com a mente.

Ela queria fazer medicina, pensei. Estava estudando dia e noite e por isso estava com aquelas olheiras. Reparei nas pessoas no vagão que usavam mochilas. Uma estava com uma garrafa de água gelada suando e fazendo uma poça no chão aos pés da dona. Talvez ainda estivessem no ensino médio e talvez já estivessem cursando alguma faculdade.

Voltei os olhos para a garota com O Cortiço. Eu via vida, empolgação que me enchia de longe, eu estava suando. De repente senti dor, porque vi dor. Os olhos dela pararam. Pararam em cima de uma palavra e sua face se transformou em uma pena gigantesca que resfriou o vagão e me secou todo o suor. Ela doía com a palavra em que tinha os olhos parados. De repente eu vi o fantasma errar de movimento e sair dela por um segundo: uma imagem derretida que partiu meu coração.

Era o mesmo fantasma que eu deixava escorregar de mim quando estava só. Ela levantou a cabeça e olhou em volta e imediatamente segui seus olhos: as mochilas.

Olhou para mim.

Eu estava com os olhos tão cobertos de lágrimas que demorei a desviá-los. Na virada de cabeça deixei uma lágrima escapar e pingar.

Não olhei para a garota e nem para mais ninguém até sair do trem.

Deitei em minha cama ainda de uniforme. O rosto estava suado de segurar o choro. Tirei os sapatos, mas decidi que não ia dormir. Levantei e fui correndo para a sala, para o canto onde havia juntado todos os papeis que recolhera da Fuvest.

Tudo meu, todo meu dinheiro.

Rasguei uma prova, enfiei a primeira folha dela, a capa com o logo e as instruções, na boca e mastiguei até doerem meus dentes. Rasguei com toda força que podia. Joguei uma das apostilas contra o espelho do corredor, mas ele não quebrou, o que me decepcionou. Catei cada parte de Fuvest da corrente sanguínea da minha casa e joguei no meio da sala, mesmo os clássicos. Amassei tudo até o menor tamanho que poderiam ficar e chorei de raiva. Peguei dois sacos pretos de lixo, mas eram tantos livros e tantos papéis que não adiantaria só aquilo.

Talvez devesse doar aquilo. Isso, isso mesmo. Eu doaria as apostilas no dia seguinte.

Dormiria até a hora de sair para a reunião. Não iria de uniforme e não chegaria na hora.









NOTA DO AUTOR

Capítulo 16 no ar, falta pouco pra nossa história chegar na reta final! Se gostaram por favor não deixem de votar ♥

Aqui vai um pouco do próximo capítulo:

Ciso decide ir à reunião operacional. Acho que já tá na cara o que vai acontecer né, mas mesmo assim acho legal dar uma olhada mais profunda aí, prometo que vale a leitura, e de brinde tem a aparição de um dos personagens mais queridos da história.

Até semana que vem, o capítulo 17 será postado na próxima quinta, 1/6.

Um enorme abraço,

Douglas

O GabaritoOnde histórias criam vida. Descubra agora