Não acordei no hospital como acontece nos filmes, porque não fiquei desacordado o tempo todo. Lembro de estar no chão, tentava não me mexer para não sentir mais dor. Lembro de apagar quando Luigi me pegou no colo, porque estava despreparado para tantos movimentos involuntários. No carro, Cissa me fazia cafuné e pedia para eu não morrer.
Lembro das luzes dos corredores do hospital e alguém disse que deveriam ter chamado uma ambulância ao invés de me levarem até lá. Acho que fiz um raio X, e depois eu estava definitivamente apagado.
De todos os mundos dos quais quis fazer parte eu quase acabei indo para o dos mortos. Tive vontade do que estava por vir, pensando agora, mesmo que fosse a morte. O medo que tinha até hoje não sei do que era, mas sei do que não era. A gente sente medo da violência, da dor que vem depois que todos aqueles sinais de alerta acendem na nossa cabeça, e a dor é realmente terrível. Mas aquele antes da dor, a vontade de saber o que está por vir, aquele antes, é irresistível.
Tenho sorte de ser preguiçoso, não tenho necessidade dessa adrenalina o tempo todo como os atletas ou exploradores de abismos. Eu viveria infeliz demais se tivesse que sustentar tantas viagens à beirada nas condições atuais.
Acordei.
Cissa estava sentada numa cadeira longa, daquelas onde tomamos soro na veia, Luigi e Alexandre deitados nos outros leitos do quarto. Dava para ouvir alguém digitando, o barulho do teclado fazia eco no corredor e o quarto era iluminado por uma luz que vinha dele, não havia nenhuma lâmpada acesa dentro. Havia números em cima dos outros leitos, mas nenhum outro paciente.
Me vistoriei mentalmente em busca de danos irreparáveis antes de mostrar que estava acordado. Tudo doía, mas nada quebrado, concluí. Pigarreei e o susto deles foi imediato, os três acordaram.
– Ciso! Tá tudo bem! Você não quebrou nada, tá tudo bem, foi só um susto. – disse Cissa. Ela pegou minha mão.
Eu usava uma tipoia, mas não ousei me mover para saber o motivo de ela estar lá. O fantasma de Cissa me mostrava um terror contido em ser obrigada a me encarar, minha cara devia estar feia demais, ferida demais. Ignorei. Sorri, mas dessa vez a circulação foi alterada de um jeito diferente, senti as feridas no rosto descolarem e a ardência fez meus olhos encherem d'água.
– Desculpa, Ciso.
A voz de Luigi saiu rouca, mas com todas as letras ensaiadas, como se estivesse tentando esconder um problema vocal. Senti que ele sabia que não precisaria fazer um discurso, mais uma vez nossa conexão foi além. Olhei para Cissa e para Alexandre procurando ódio, a mim ou ao Luigi, mas só vi harmonia.
Ninguém ali culpava Luigi por nada.
Ele havia freado porque tinha que frear. Eu estava, em algum momento, andando em uma corda, esperando que ele mantivesse meu equilíbrio quando não sabia se ele conseguiria. Tinha confiança de que eu não cairia, mas exigir que ele me equilibrasse com a mesma concentração que eu mesmo era exigir demais. Responsabilidade que não era dele.
Ainda ontem convidei um amigo para ficar em silêncio comigo ele veio meio a esmo praticamente não disse nada e ficou por isso mesmo
O pico de excitação de acordar se foi e eu dormi de novo antes que pudesse responder. Senti meu celular na mão ao acordar, Cissa devia ter colocado ali para mim. Mas apaguei de novo assim que fiz força para segurar o aparelho.
Minhas respostas estavam certas.
Imaginei onde estaria Sabrina, não sei por que, devo ter sonhado com ela. Acordei de novo, mas estavam todos do lado de fora, nenhum deles olhando para dentro do quarto. O cheiro de Luigi estava forte em mim, supus que tinha me abraçado antes de sair, se despedido há pouco tempo, o vi apertar o ombro de Cissa e Alexandre a abraçar. Quando se despediram, porém, ela não entrou de volta.

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O Gabarito
General Fiction1 candidato; 5 vestibulares; 5 falhas; 1 acerto. O livro conta a história de Ciso, um ex-vestibulando (podemos chamar assim?) que se vê em uma situação difícil logo após a reprovação no vestibular. Pela 5ª vez! Para ver o sentido por trás de 5 vesti...