A um avô (des)conhecido

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O senhor já se esqueceu, mas eu ainda me lembro de quando suas pernas eram boas e caminhávamos durante toda a tarde. Perdoe-me por pedir que fôssemos mais rápido.

Eu ainda me lembro de quando nos sentávamos para assistir TV e o senhor traçava uma linha no sofá "metade para você e metade para mim". Perdoe-me por não ter passado a linha para te abraçar.

Lembro-me de quando o senhor dormia no meu quarto a tarde, das 13h até as 15:30. Perdoe-me por entrar lá tantas vezes para pegar algo.

Lembro-me de todas as histórias, dos conselhos e das broncas. Lembro-me de como seus olhos brilhavam quando eu ia visitá-lo e, por Deus, como me arrependo de não ter ido mais vezes.

Hoje seus olhos têm a mesma cor azul, mas não o mesmo brilho. Eles me enxergam mas não me reparam. O senhor não sabe mais que sou. Suas mãos prendem-se às minhas em um gesto mudo de carinho.

Eu sou sua neta, digo. E o senhor me olha em dúvida, sem acreditar que aquela moça de olhos castanhos faz mesmo parte da família.

O senhor já se esqueceu, mas eu não. E irei sempre me lembrar, até que o tempo e a idade roubem minhas memórias e as levem para junto das suas.

16/04/2017

AvidezOnde histórias criam vida. Descubra agora