Acordei cedo. Sempre cedo.
Hoje voltei um pouco no tempo.
2002 a 2017.
Sempre amei cantar. Anos atrás, gravei um vídeo agradecendo aos meus pais pelo natal e cantando a música favorita da minha mãe na época. Eu não me lembrava disso.
Aos sete anos gravei um dueto com meu irmão transformando uma das peças da minha barraca da Barbie em microfone. Ele me acompanhou na percussão, batendo com outra das peças em um brinquedo inflável. Eu também não me lembrava.
Eu costumava inventar canções para tudo.
Uma vez, cantei por dez minutos no chuveiro uma música da qual não me lembro nem a melodia. Tinham cortado os melhores galhos da minha árvore favorita.
Eu canto o tempo todo. Ajuda-me a relaxar. Esqueço as preocupações.Oh, my dear, heaven is a big bang now
Gotta get to sleep somehow
Bangin' on the ceiling, bangin' on the ceiling
Keep it down.Minha parte favorita da música que cantei para esquecer a raiva de uma senhora que mal conheço. Uma hora e quatorze minutos. Foi o tempo que essa música martelou na minha cabeça.
Meu querido, meu velho, meu amigo.
Cantei durante toda a manhã enquanto procurava um vídeo do meu avô. Encontrei fotos de quando ele ainda sorria.Monomania e Mais Ninguém das 18:40 até às 21h. Todos saíram e eu cansei de Friends no primeiro episódio da noite. Canto quando me sinto sozinha.
Voltaram (quase) todos. Então vi um romance. Meus pais abraçados no velho colchão olhando a TV nova. Meu irmão vendo videos no celular com seus fones de ouvido. Eu sentada no mesmo lugar do sofá pensando no que faltava.
Um final feliz. Com certeza. O filme era baseado em fatos reais. A garota morre no final.
Mas eu já sabia disso.
Não, o que faltava era pizza. Ou talvez alguém tirando as azeitonas dela.
O que faltava era levar o dobro do tempo necessário para beber água. Alguém me impedindo de coçar as mãos e me lembrando de tomar os remédios. Cócegas. Perguntas sobre o meu dia que sempre é sem graça e protestos sobre os meus "foi bom". Sorrisos de lado e mordidas. Meu cabelo embaraçado. Colo.O que faltava era alguém me pedindo para cantar em seu ouvido. O problema é que esse alguém pede artigo definido. O problema é que O alguém me faz bem demais, de forma que não preciso cantar o tempo todo, mesmo que bem baixo em seu ouvido.
Mas que ideia foi essa de me deixar acostumada com a sua presença?
Já passa da meia noite, então hoje é amanhã.
Amanhã que já é hoje, vou te ver.Senti sua falta, me abrace assim que der.
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Avidez
PoetryApenas uma vontade sôfrega de escrever. Capa e ilustrações da mesma por Cassy Frost | Niffler Covers