20. É o meu fim, afinal?

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Li Ka Hua

A coisa que eu mais odiava em ter aquele poder era o fato de não poder dizer nada a ninguém. Eu havia tentado, mais de uma vez, mas não acreditaram em mim. A primeira vez foi com meu primo Thomas, disse a minha tia para busca-lo no portão da escola, que não permitisse que ele atravessasse a rua sozinho, disse a ela que eu havia visto o carro batendo nele.

— Li Ka Hua, pare de inventar histórias! — Censurara-me. — Primeiro foi aquele escândalo com a morte da sua avó e agora isso! Vou conversar com a sua mãe, você precisa de um especialista!

Quando Thomas morreu ela ficou anos sem olhar para mim, acusando-me de tê-lo empurrado contra o carro quando todo mundo viu que ele fora sozinho em direção à faixa de pedestres e o motorista bêbado passou em alta velocidade e o matou. Depois da raiva, veio o medo. E talvez eu fosse mais capaz de lidar com a raiva do que com o medo, aquele olhar apavorado que faz você se sentir uma espécie de aberração, um animal. Desde aquele dia, minha mãe só conversa com a irmã por telefone. Eu era apenas uma criança na época, fora um choque assistir — duas vezes — a morte de Thomas, meu pai detestava a minha tia e havia brigado muito com minha mãe na época por defendê-la. A verdade é que minha mãe não acreditou inicialmente na minha habilidade, ela julgava aquilo como alucinações e só não fui trancada em um hospício graças ao meu pai que sempre me defendia. Talvez isso tenha feito com que nossa relação se tornasse tão frágil, ela sempre fora muito rígida comigo.

Mais mortes vieram depois da de Thomas, às vezes era uma professora assaltada, outras era uma pessoa aleatória morta de uma forma aleatória e em todas elas eu sentia minha alma se desgastando. Era sempre um tormento, uma agonia, uma tortura excruciante da qual eu não podia fugir. Diana Kells fora a última no meu período na Inglaterra, antes de meu pai decidir me levar para o Japão, ela foi a nona vítima de Charles Corll* um assassino em série que atuava na cidade há alguns meses. A morte dela veio para mim na escola. Dentro da sala de aula durante uma aula de geopolítica.

Começou, como sempre, com a dor forte de cabeça. Eu não podia sair da sala, a professora debatia conosco os efeitos da ausência da democracia e o lado ruim da mesma fazendo-nos analisar o sistema do país deles em compararação com a China e a Coréia do Norte e seus regimes, respectivamente, comunista e ditatorial. Em determinado momento ela chamou meu nome, mas sua voz parecia ecoar dentro da minha cabeça alta demais o que só piorava a dor excruciante, até que a sala desapareceu.

O céu estava se tornando sombrio com a chegada do fim da tarde, fazia um frio congelante naquele dia e Diana seguia por uma rua no lado leste da cidade. Vestia uma saia godê com meia- calça azul escuro, botas de neve — pois o chão estava coberto de gelo —, uma gabardina vermelha, luvas e um gorro. Os fones de ouvido tocavam o Saints & Sinners do All Saints enquanto descia a rua inclinada e olhava constantemente para trás como que para certificar-se que ninguém a estava seguindo. Fui atrás dela, sabendo que era inevitável tentar não ver, eu não seria expulsa da visão até descobrir o que aconteceria com a vítima. Reconheci a rua como sendo a St. Michael and All Angels e me perguntei o que minha amiga estaria fazendo ali.

Quando ela chegou ao fim da rua pronta para atravessar entre a Queen Mary e o Bosque dos Leprechauns**, alguém puxou-a e lhe tapou a boca com uma mão escondida dentro de uma luva preta. Eu vi o rosto do homem, era de estatura mediana, branco, cabelos meio compridos como se não os cortasse há meses saíam pelas abas do gorro de lã, barba por fazer, lábios cheios, olhos castanhos. Minha amiga tentou com todas as suas limitadas forças lutar contra ele, mas foi inútil, ele a arrastou para o bosque.

Olhos Vazios ✔ [DISPONÍVEL ATÉ 30/11]Onde histórias criam vida. Descubra agora