30. Cativa, mas não rendida

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Li Ka Hua


Silêncio. Quando a consciência foi voltando lentamente, percebi que não havia qualquer barulho à minha volta, nem mesmo conversas sussurradas dos meus captores. Tentei puxar na memória as imagens do sequestro, mas tudo era muito vago, imagens borradas que ainda não conseguia ordenar. A visão embaçada foi focalizando lentamente e pude distinguir as primeiras imagens do cativeiro, um teto de concreto cru dividido por vigas de aço, nele algumas lâmpadas fluorescentes enfileiravam-se sem acabamento; pilastras de concreto se alinhavam em duas fileiras paralelas sendo seis ao todo. O chão era de terra batida, não havia janelas, alguns materiais de construção se empilhavam pelos cantos das paredes e, bem no fundo havia um enorme portão de latão que eu sabia estar fechado por fora.

Analisando o lugar com mais atenção deduzi se tratar de um estacionamento subterrâneo em construção, provavelmente de algum condomínio que estava sendo finalizado, mas não tinha qualquer ideia de onde poderia ser. Minha cabeça pesava e latejava conforme o efeito do clorofórmio ia cedendo, ao tentar mexer as mãos dormentes percebi que estava amarrada a uma das pilastras de concreto, meus braços doíam e os ombros, puxados para trás, pareciam travados. Apenas uma das luzes estava acesa, era a que ficava próxima ao portão de latão, mas por estar dependurada — provavelmente por ter caído do arranjo mal feito dos pedreiros — iluminava o enorme cômodo de um jeito razoável o bastante para que eu visse os detalhes.

Não sabia que horas eram, se já havia anoitecido, mas podia imaginar o desespero dos meus pais ao descobrirem o que acontecera. Nunca antes havia sido sequestrada, meu pai tinha sempre o maior cuidado de me manter longe das câmeras e nunca permitir que fotos minhas fossem publicadas em qualquer meio de informação, por isso, refleti que meu capto conhecia meus passos, ele sabia quem eu era, estava me observando o tempo todo. Mas quem?

A sensação de boca seca me tirou das ponderações, minha garganta doía até mesmo quando a saliva quente descia. Eu precisava sair dali, mas para isso tinha de observar os movimentos dos sequestradores, observar o que faziam, com que frequência entrariam ali e, principalmente, quantos eram. Fechei os olhos e me concentrei, não sem alguma dificuldade, em qualquer som que pudesse indicar minha localização, carros passando, passos, água corrente, mas não conseguia ouvir absolutamente nada, mesmo que as paredes não tivessem isolamento acústico. O que me levava a deduzir que, ou o lugar em que eu estava era fora da cidade, ou era muito tarde e não havia qualquer movimentação do lado de fora. Essa última hipótese, portanto, excluía a possibilidade de estar em uma cidade como Toronto onde havia sempre movimentação, mas me deixava a esperança de estar em um local próximo à pequena cidade onde eu morava.

O som de ferro batendo chamou minha atenção, era como se uma pesada corrente estivesse passando por argolas de metal, por fim, o portão de latão abriu e duas figuras com os rostos cobertos por máscaras de esqui apareceram, a iluminação parcial não me deixava observa-los bem, de modo que o único detalhe relevante notado por mim eram seus olhos ovalados e os lábios finos. Um deles se abaixou diante de mim e, meio sem jeito, colocou um canudinho na minha boca, um grande copo de água me esperava e sorvi o líquido com tanta avidez que quase engasguei.

Píng xīnjìng. — Recomendou, a voz meio anasalada e com um tom descontraído. — Bēizi bù huì pǎo.[1 Calma. O copo não vaicorrer.]

Ali estava a confirmação que eu queria.

Nǐmen shì zhōngguó rén ma?[2 Vocês são chineses?] — Perguntei apenas para confirmar.

Olhos Vazios ✔ [DISPONÍVEL ATÉ 30/11]Onde histórias criam vida. Descubra agora