26. Eu preciso morrer

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Li Ka Hua


— Durante muito tempo nossa família sofreu com um parente aterrorizado por essa habilidade, alguns não suportavam a loucura e acabavam sucumbindo, tirando a própria vida. Começou com a primeira Li, a mulher que originou nossa família há muito, muito tempo. — Ela pegou uma espécie de pergaminho antigo de veludo que estava em um canto do quarto e abriu diante de nós, nele, desenhado e pintado em cores claras e com leves danos do tempo, estava uma jovem mulher trajando roupas antigas, longos cabelos negros presos pela metade com uma peça de jade elaborada. — Seu nome era Li Fei, o pai era um dos magistrados mais respeitados do imperador e esta jovem além de beleza possuía inteligência e nobreza de coração.

"Tudo começou quando, um dia, o jovem imperador saiu disfarçado do castelo na companhia única do seu guarda pessoal de confiança na intenção de seguir um dos ministros de quem ele desconfiava agir com corrupção. Enquanto seguiam o homem pelas ruas movimentadas do império, além de qualquer suspeita, ele vislumbrou a bela Li Fei com sua criada fazendo compras. A beleza da jovem encantou o imperador que decidiu toma-la por esposa. A notícia levou honra à sua família e encheu o velho e indulgente pai de Li Fei de orgulho, pois nunca foi sequer uma mera pretensão que sua doce filha alcançasse graça aos olhos do grande imperador da China.

"Entretanto, Li Fei não estava apaixonada por ele e a ida à cidade proibida lhe causava grande angústia. O casamento real aconteceu em toda sua pompa e a jovem imperatriz Li Fei conheceu seu apaixonado esposo, encontrando nele devoção e paciência para com seus sentimentos. Ela aprendeu a amar e admirar não o imperador, mas o homem por trás das vestes reais e por longo tempo eles foram muito felizes. Pelo menos até a filha do ministro Han, um dos conselheiros autorizados a viver dentro da cidade proibida, aparecesse diante dos olhos do rei em um dos seus passeios pelo jardim.

"Movido pela luxúria e cego quanto ao coração perverso de Han Liang, ele a tomou como concubina. Essa mulher era vil e gananciosa, nada sentia pelo rei além da cobiça pelo trono e tinha inveja da imperatriz mais do que qualquer outra pessoa no império. A jovem rainha Li Fei, magoada, resignou-se a aceitar a atitude do imperador, mas passou a recusá-lo, tornando-se indiferente a ele. A mãe do imperador era favorável a Li Fei e, por isso, condenava e rechaçava a concubina nunca permitindo sequer que esta aparecesse em sua presença. O amor de Li Fei foi sendo comprimido pela tristeza ao ver seu até então admirado esposo tomar oficialmente aquela mulher.

"Um grande clamor surgiu no reino quando a concubina ficou grávida. Nessa altura, a imperatriz já estava no quarto mês de gestação e especulava-se qual das duas daria um príncipe ao império. A mãe do imperador encheu-se de horror ao ouvir notícias da gravidez da concubina — que ela considerava como ilegítima —, imaginar que seu filho teria uma criança de tão odiosa mulher e que, se fosse um menino, ainda houvesse a possibilidade de subir ao trono. O imperador, ciente finalmente do crime que havia cometido contra Li Fei e sentindo o coração partido pela saudade do sorriso que um dia ganhara seu coração, decidiu então reconquistá-la.

"Todavia, mover o coração ferido e rejeitado da imperatriz não seria nada simples. Ele encheu-lhe das mais belas joias, mandou que lhe fossem levadas flores todos os dias, fazia visitas diárias ao seu pavilhão mesmo com ela se recusando a conversar com ele, entendia os motivos de sua frieza e aceitava a punição com humildade. Ainda assim, não perdia qualquer oportunidade de falar com ela se pudesse, principalmente nos passeios que a rainha dava, no crepúsculo, pelo jardim da lua crescente. Certa vez, sentou-se ao lado dela na grama aparada e questionou-lhe:

— O que é um rei tolo e uma jovem virtuosa?

— Um eclipse não é, nada mais, que o sol escondendo-se atrás da lua? O casamento dos astros com as estrelas. — Respondeu ela, impassível, reprimindo as lágrimas. — Mas, para tal, submete-se o mundo à escuridão.

Olhos Vazios ✔ [DISPONÍVEL ATÉ 30/11]Onde histórias criam vida. Descubra agora