Aidan
— O que você disse?
As palavras pareciam ecoar longe, irreais demais. Não podia ter acontecido, não o senhor Sojiru com quem eu conversara horas atrás. Ele não poderia ter ido assim, tão rapidamente. Minhas pernas cederam e senti o impacto do chão contra meus joelhos, mas mesmo a dor parecia irreal, tais quais as lágrimas que escorreram pelo meu rosto nublando minha visão de um Tony tão ou mais abalado que eu.
Lembrei-me do dia em que, inadvertidamente, surpreendi uma conversa de Li Ka Hua com ele em sua sala, os olhos dela, penetrantes e cinzentos — os olhos da morte — encaravam nitidamente um Sojiru determinado e resignado. Ela teria olhado premeditadamente nos olhos dele? Seria ela a culpada de sua morte? Ainda não entendia como aquilo acontecia, mas era verdade que Li Ka Hua trouxera a morte para as pessoas à minha volta, agora nós choraríamos a perda do único professor que eu podia chamar de amigo.
Tony e eu permanecemos ali, chorando nossa perda em silêncio, nossos soluços e o som da tempestade do lado de fora eram os únicos barulhos que nos cercavam. Apesar do seu jeito descontraído e que parecia não levar nada a sério, Tony nutria um carinho sincero pelo senhor Sojiru, era um dos poucos professores que conseguiam fazê-lo tirar notas decentes e ler um livro de verdade. Fechei os olhos e desejei que nada daquilo fosse real, por mais que me doesse por dentro, admito que desejei nunca ter conhecido Li Ka Hua.
— O motivo de ter pedido a todos vocês para estarem presentes aqui hoje... — anunciou a senhorita Thames, pesarosamente, no auditório do instituto. Ela havia convocado uma reunião geral naquela manhã para dar o anúncio da morte do professor, sua voz vacilava fazendo-a dar constantes pausas. — Desculpem. Ontem a noite, o senhor Sojiru Kaito, professor de todos vocês e responsável pelas salas 2 deste instituto, saiu momentaneamente e infelizmente sofreu um acidente fatal...
Uma nova pausa. Ela passou as mãos pelo rosto na tentativa de parar as lágrimas, sem sucesso. Uma comoção se espalhou pelo auditório, os alunos se entreolhavam chocados tentando digerir a notícia, alguns meneavam a cabeça tentando negar a informação.
— Esta tarde, seu corpo será trazido ao Instituto pelo período de duas horas. — Disse ela após recobrar o controle. — Ele será enviado à sua terra natal ainda hoje, a família está esperando o corpo que será cremado e velado segundo o costume de seu país. Com a permissão deles, teremos essa pequena homenagem a este professor e colega tão querido de todos nós. Peço a todos que se preparem. Dispensados.
Sem conseguir mais segurar, a diretora foi amparada pelos demais professores que, junto a ela, compartilhavam o mesmo peso da perda. Os alunos reagiam a notícia de maneiras diferentes, alguns choravam copiosamente, outros pareciam mover-se mecanicamente completamente apáticos, havia ainda aqueles que pareciam ter parado no tempo, estáticos, sem conseguir uma forma de digerir a notícia.
Mais ou menos duas horas depois estávamos todos no salão do instituto onde Alissa fora velada meses antes. Pais, professores e alunos se organizavam meio desajeitadamente para prestar as últimas homenagens ao senhor Sojiru Kaito cujo caixão não podia ficar aberto devido às condições do corpo. Fui um dos que fizeram o elogio fúnebre, mas quase não consegui — mesmo lendo — externar aquelas palavras.
— Sojiru Kaito foi um grande sábio e, como tal, ele nos ensinou mais que poesia e interpretação de grandes obras literárias, mas ele as materializou nas nossas vidas. — Um sorriso pesado forçou os músculos do meu rosto ao me lembrar daquele homem com feições gentis, sempre sorridente e prestativo. — Nunca havia tempestade com o senhor Sojiru, ele estava sempre sorrindo e tirando lições das mais duras chuvas da vida. Dispunha-se a ouvir nossos problemas e nos aconselhar, puxava nossas orelhas quando saíamos da linha, mas sempre com um carinho paternal nos encaminhando novamente para a estrada certa, nos fazendo acreditar que podíamos ser mais do que imaginamo-nos capazes. Apesar de toda a dor que a vida lhe impusera e de toda a perda cruel que sofreu, o senhor Sojiru nunca desistiu de sorrir, nunca desistiu de lutar e de contemplar a beleza das estrelas em um céu nublado e sombrio. Com tudo isso, por ter sido um privilegiado de tê-lo como mentor, como amigo e como modelo, sei que neste momento ele está sorrindo no céu para todos nós, confortando nosso coração da saudade vazia imensa que nos acompanhará, mas na certeza de que as lembranças construídas serão fortes o bastante para sobreviver à dor. Obrigado, senhor Sojiru!
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Olhos Vazios ✔ [DISPONÍVEL ATÉ 30/11]
Paranormale🏆ROMANCE VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS 2020 NA CATEGORIA FANTASIA!🏆 ATENÇÃO: GATILHO DE SUICÍDIO! Li Ka Hua esconde um segredo mortal. Filha do herdeiro de uma das mulheres mais poderosas da China, tudo que ela queria era sobreviver aos dois anos fina...