Capítulo 4

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Fragmentos


Benjamin:


Antes as fotos cobriam todas as paredes e estantes. Me fazia imensamente feliz poder estar passando pelos corredores e, numa olhada casual, vislumbrar um momento nosso. De Marcela e meu.

Hoje já não há mais nenhuma estampando nada. Todas foram retiradas, ao meu pedido, e guardadas numa caixa no sótão.

Essa mesma caixa que agora eu tenho em minha frente enquanto permaneço sentado no piso frio. Eu faço o mesmo ritual todas as noites e não me pergunte o porquê. Eu não sei a resposta. O mais próximo que posso chegar é que eu quero que as lembranças me levem embora, para junto dela, onde quer que ela esteja...

A caixa está fechada e eu a encaro. Olho fixamente pra ela esperando que esse pedaço de papelão possa me trazer algo novo quando for aberto.

Fico um tempo indeterminado apenas nesse processo de apreciação doentia. O escuro se faz presente, eu só enxergo porque a luz do sol ainda não se foi por completo e alguns raios alaranjados, outros amarelados e, os meus preferidos, os rosados invades o sótão pela janela. Preferidos da Marcela também, ela dizia que eram os melhores para as fotos mais vivas na sua essência. Marcela fotografava tudo, não haviam cenas marcadas nem poses montadas. Ela e sua câmera estavam sempre prontas para cliques inesperados e espontâneos. Marcela era a espontaneidade em pessoa. Ela amava fotos, eu nunca dei importância. Não o quanto eu dou agora. Agora eu sou um homem que se abastece delas, ou seria o contrário: Elas que se abastecem de mim? Provavelmente é isso. Eu não quero ganhar vitalidade, eu quero esgotar as forças que restam, aos poucos, porque eu mereço assim.

Abro a caixa e a dor vem de mansinho ao ver as primeiras. Eu já conheço todas, já vi dezenas de vezes, mas ao rever e prestar atenção nos detalhes, nas expressões, nos sorrisos ou apenas nos semblantes que demonstravam nosso sentimento, eu sinto que poderia ter apreciado mais enquanto vivia aquilo. Consigo ouvir nossas vozes e os risos constantes, pois Marcela não se poupava de sorrir. E eu não me poupava de dizer o quanto a amava. Eu não me sentia inferior por ser apaixonado. Eu sentia que deveria demonstrar pra ela porque ela me fazia bem. Só o fato de ela existir já era suficiente pra que eu fosse feliz. Marcela não precisava fazer nada, bastava apenas ser e estar.

O sons ganham vida e parece que vejo as cenas transcorrendo ao meu redor vindo das imagens que pulam das fotografias e giram no ar como num filme. Elas tomam o sótão e eu sou só um expectador da minha própria história. A cena que se passa agora é a parte principal: nosso casamento. A cerimônia foi tradicional na igreja da cidade. Estava tudo como ela queria e sonhava. Marcela vinha de uma família grande e a igreja lotou apenas com seus parentes. Meus familiares eram poucos e dos poucos que viviam só restava minha mãe e um tio, que era praticamente irmão do meu pai, pois cresceram juntos. Ele não compareceu. Não tinha morada fixa. Mandamos convite para um último endereço que tínhamos que era de Goiás. Eu nem o conheci, a não ser de relatos da infância do meu pai.

Na foto seguinte descíamos os degraus juntos, declarados marido e mulher, com sorrisos enormes e olhos marejados. Essa foto eu faço questão de trazer pra perto e tocá-la com a ponta dos dedos. Tracejar os contornos como se fossem reais de novo. Se eu fechasse os olhos poderia sentir a textura da pele de Marcela, até o perfume dela chegaria ao meu olfato. E se eu mentalizasse muito forte eu quase poderia sentir as mãos de Marcela ao redor do meu peito, como se ela estivesse aqui, atrás de mim, da maneira que ela gostava de me abraçar enquanto eu cortava legumes na beirada do nosso balcão. As mãos dela vinham de baixo e ela as posicionava espalmadas sobre meu peito. Descansava a lateral do rosto em minhas costas e assim permanecíamos, em contato, juntos, apesar de eu estar trabalhando em mais um prato.

O Som da Solidão {EM HIATO}Onde histórias criam vida. Descubra agora