Capítulo 9

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Choque Térmico

Benjamin:


Seria mais uma manhã igual a qualquer outra a não ser pelo fato de que tenho que sair. Eu raramente saio de casa. E isso me fez perceber que eu nunca fui necessário pra alguma coisa. O mundo segue funcionando sem mim.

Meu restaurante segue atendendo a pleno vapor e eu piso lá uma vez por mês. Antes era todo o santo dia.

Tomei meu banho frio de sempre. Abri meu roupeiro e vi mais uma vez o tanto de roupa cara e social que eu tenho. Eu não precisava de mais nenhuma delas. Eu só queria ter peças fáceis de vestir e poder me camuflar entre as pessoas sem ser reconhecido como o Chef Fonteles, o famoso e triste viúvo que se afundou em depressão após a morte da sua esposa. As pessoas apontam pra mim. Me olham curiosas e compadecidas. Eu saía em jornais e em revista sem a minha autorização. Eu não sei por que essa notícia nunca fica antiga! Eu só queria desaparecer, sumir, ficar invisível.

Vesti um traje qualquer e desçi para a cozinha. Antigamente era o coração da casa. Meu lugar preferido onde eu trabalhava e ainda tinha a companhia sempre perfeita da minha esposa. Era unir o útil ao agradável e, por diversas vezes, a cozinha foi mais que um mero cômodo destinado apenas a culinária. Entretanto eu não suporto permanecer nele por mais que o suficiente pra esquentar uma comida pré-pronta. É o que eu fiz. Esquentei um café no micro-ondas e torrei uma fatia de pão. Ingeri o alimento apenas por saber ser essencial pra que eu consiga parar em pé pra cumprir minhas obrigações. Não sentia mais fome. Não sentia mais vontade de nada.

O relógio mostrava ser quase meio dia e eu recém tinha acordado e feito minha primeira refeição. A menina iria chegar em breve e eu não queria estar presente. Não conseguia tolerar a presença de mais ninguém aqui comigo. Perguntas e mais perguntas. Questionamentos fúteis. Preocupações banais. Intrometimento. Eu não queria ter de responder nada, justificar nada, respirar o mesmo ar que outra pessoa qualquer. Nada mais fazia sentido pra mim sem Marcela aqui. É como se as pessoas quisessem a substituir. Queriam mudar meu pensamento pra que eu a esquecesse. Eu não quero! Ela sempre será insubstituível e sua memória nunca será esquecida, viverá pra sempre em mim. Quando todos vão entender que eu não quero ficar bem?

Aproveito que precisava sair pra checar as coisas no restaurante. Chovia torrencialmente, não me importei em me molhar.

Tratei de burocracias, conferi novos pratos do cardápio, vi o caixa e o crescente fluxo de novos clientes. Eles queriam conhecer o Chef, queriam comer a comida do cara de coração arruinado. Talvez sentirem o sabor da dor? Eu não tinha respostas pra isso, só sabia que mesmo sem aparecer no restaurante eu continuava sendo o preferido de nove entre dez clientes. O Casa Fonteles vivia recebendo as melhores críticas dos mais renomados críticos gastronômicos. Talvez o tempero da tristeza fosse o mais saboroso.

Olhei o relógio e vi que ainda era cedo para retornar. Mas não aguentava mais ficar lá, sendo olhado e pressionado a ser gentil. Nada do restaurante me compraz mais. Cada cheiro e cada prato que passava por meus olhos me lembrava de um tempo feliz. Resolvi ir embora e passar o tempo que resta dirigindo a esmo. A chuva diminuiu um pouco, mesmo assim o manobrista abriu rapidamente o guarda chuvas do restaurante pra me proteger. Eu o dispensei dizendo que eram só alguns pingos.

Quando estava chegando a meu carro, ouvi sons apressados de um salto alto e uma voz que me chamava.

— Benjamin! Oi! — Me virei e vi Samanta numa breve corrida, carregando uma enorme sombrinha vermelha, para me alcançar. Só me faltava essa!

O Som da Solidão {EM HIATO}Onde histórias criam vida. Descubra agora