Capítulo 5

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Fatalidades


Melissa:


Para a minha surpresa fui abençoada com uma amiga de infância depois da maioridade. Ana Clara e eu descobrimos tantas afinidades em tão pouco tempo, que sentíamos que éramos verdadeiramente duas irmãs separadas na maternidade. Esta amizade tão bonita caiu do céu como um presente e se deu início no dia em que passamos a dividir o mesmo quarto. Nós só não podíamos imaginar que compartilharíamos coisas maiores, como nossas alegrias e tristezas.

Clara e eu tínhamos a mesma idade e acreditávamos que nós duas estávamos destinadas ao mesmo fim. Porém Clara parecia muito segura a respeito de sua vocação, enquanto eu me fazia a mesma pergunta todos os dias.

Fisicamente, ela era mais baixa. Deveria ter uns cinco centímetros a menos do que eu, mas quando soltava a voz nas aulas de música, Clara se agigantava. Irmã Paulina regia as vozes há muito tempo, mas cada vez que ouvia Clara cantar, conseguia se impressionar com sua extensão vocal.

Na condição de irmã, literalmente, eu me enchia de orgulho. Era como se tivéssemos o mesmo tipo sanguíneo correndo nas veias, o mesmo DNA. Nós cantávamos juntas no coral das irmãs, duas sopranos. Porém nunca existiu qualquer sentimento de competitividade entre nós, muito pelo contrário. É óbvio que este tipo de sentimento seria inadmissível em um convento, mas verdadeiramente eu ficava feliz em ouvir as notas sustentadas por ela. Foi daí que surgiu a ideia de chamá-la de meu passarinho, enquanto ela me chamava de meu algodão doce e algumas vezes de raio de sol, Sunshine, como ela ouviu em uma música.

A confiança e a cumplicidade foram conquistadas dia após dia. Clara demonstrou ser dona de um coração duas vezes maior do que a sua estatura. Lembro que nas primeiras noites como noviça, o terror assolava meu sono. A imagem de minha mãe sem vida sobre a cama e meus braços arrancados a força de sobre seu corpo enrijecido, eram cenas que se repetiam em meus pesadelos.

Clara me despertava com serenidade e me libertava da perturbação noturna com suas mãos nobres, me trazendo para realidade. Ela me oferecia seu colo e cuidava de mim, afagando o lado esquerdo de minha face, enquanto o direito descansava sobre os seus joelhos cobertos.

__Shh... Se acalme meu algodão doce! Por favor Mel, não chore! Não queremos acordar a irmã Rebeca, não é verdade? Ela nos faria pagar penitência por isso! Mas caso isso acontecer, não se preocupe! Eu estarei lá com você! Passaremos por isso juntas! Vai ficar tudo bem, eu prometo! Acredite em mim! Estou aqui agora e nunca vou deixar você sozinha. Agora volte a dormir, vou rezar por você.

Clara sussurrava uma oração e balbuciava uma canção. Era um dos louvores do livrinho, mas surtia o mesmo efeito de uma canção de ninar. Isso me trazia a memória o tempo em que vivi em Nova Lima, onde rezava sagradamente com minha mãe na beirada da cama todas as noites antes de dormir.

Quando as lágrimas se esgotavam, o sono chegava novamente e ela acomodava minha cabeça sobre a maciez do travesseiro, tentando ser silenciosa, tomando cuidado para não me acordar. Antes de voltar a dormir, verificava minha temperatura e se encarregava de cobrir meus ombros, totalmente. Ela me contou isso tempos depois e nada do que eu dissesse poderia expressar a gratidão que senti.

Uma amizade como a nossa não tem preço. É uma conexão rara. É a prova de que não há nada que possa valer mais do que um sentimento sincero. Nem todo o dinheiro do mundo.

Sou a flor mais nova de um jardim de três gerações, mas como você pode perceber, minha vida está longe de ser um mar de rosas. Depois que recebi o título de "noviça", aprendi que conhecer a dor talvez fosse a minha missão, para que fosse capaz de remover os espinhos do próximo, assim como o Senhor nos ensinou.

O Som da Solidão {EM HIATO}Onde histórias criam vida. Descubra agora