A proposta
Melissa:
Eu recebi alta no dia seguinte à visita do senhor Benjamin.
Sérgio veio nos buscar como acertado e Clara e eu retornamos ao nosso lar.
Fomos recebidas com entusiasmo e preces pelas irmãs que nos aguardavam. Ganhei até flores e um abraço terno da Madre Superiora. Quem diria? Porém creio que ela não esqueceu que tínhamos uma conversa.
Irmã Rebeca também estava naquela pequena comitiva e, menos esfuziante, me cumprimentou, agradecendo a Deus pela minha pronta melhora. Ela, de contrário, não havia esquecido da pequena reunião e disse que teríamos que conversar muito em breve, mas que aguardaria o meu descanso.
Ela já sabia de tudo. Sei disso apenas pelo modo como me olhou: rigor e complacência. Ela não era uma boba, eu sim.
Eu saí agitada da casa de Benjamin, sentindo tantas coisas inconcebíveis, com milhares de pensamentos percorrendo minha cabeça. A maioria deles me fazia corar. A imagem dele tão instável e desprotegido não saía da minha memória. Sua presença masculina, mesmo que dopada pelo álcool, perto de mim, me deixando ajudá-lo com o ferimento e as dores, tomou minha atenção e eu não vi que estava cruzando a rua, muito menos vi que um carro se aproximava.
O veículo freou bruscamente, mas não foi o suficiente para evitar a colisão: o para-choque me atingiu na lateral do corpo e eu caí com força no asfalto, tendo tempo apenas de cobrir minha cabeça com os braços. Não quebrei nenhum osso, graças a Deus. Mas torci o joelho, feri o nariz com o forte impacto, gerando um sangramento que me assustou muito, pois pensei que vinha da cabeça. A região do meu quadril ficou num tom roxo e é a parte que mais me causa desconforto. A sorte é que a velocidade não estava alta, pois certamente eu não estaria mais aqui para contar essa história.
O que deu em mim? Como fui tão descuidada? Como deixei que isso acontecesse? Bastou um mero contato físico a mais e eu perdi o chão e saí voando para as nuvens. Não poderei mais andar sozinha ou terei que afastar esse ímpeto sonhador de mim... mas é tão bom sonhar! O ruim é acordar e ver que sonhei acordada e no meio da avenida.
Me sinto frustrada!
Sei que fiz besteira, sei que fui longe demais, mas o que fazer? Eu já não conseguia domar meus atos. Quando estava perto dele tudo era tão diferente, tudo vibrava em mim. Pulsava. Me sentia querendo viver mais!
Então tomei consciência de que estava traindo minha mãe e a sua promessa. Por mais que eu sentisse que estava desperdiçando uma imensidão de descobertas, de cores, cheiros, sabores, lugares, sensações, não podia permitir que o mundano me tirasse da vocação. Precisava continuar firme no propósito e voltar a ver alegria nas atividades do convento, a alegria que eu via antes de ele reaparecer na minha vida.
O que mudou? Será que foi o tempo? O mundo? As pessoas?
Não, nada disso.
Quem mudou foi eu.
Sempre disseram que quando mais velhos, três anos não fazem a menor diferença, mas que na juventude, esse mesmo período de tempo é capaz de transformar meninas em mulheres.
Percebi isso agora. Somente agora e tenho muito medo do que isso possa me causar.
— Mel, você está se sentindo bem? — questionou Clara ao me ver pensativa.
— Estou bem sim. Apenas pensando. E com medo dos meus pensamentos. — Olhei para ela que seguia me olhando da sua cama na leve penumbra da noite.
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O Som da Solidão {EM HIATO}
General FictionMelissa era seu primeiro nome, para brindar a geração de mulheres de sua família com mais uma flor. Aparecida era o segundo, para glorificar a Nossa Senhora. Criada pela mãe e pela avó, Melissa desconhecia a paternidade e de todas as lições que apre...