Contexto
Melissa:
Eu poderia dizer muitas coisas sobre o tempo. Refletindo sobre ele, acho interessante ressaltar o quanto é relativo. Pode parecer confuso eu sei, mas peço que permita eu me explicar melhor. Quando estamos perto de alguém que amamos, por exemplo, o tempo parece voar. Todo o tempo do mundo é pouco demais, você concorda? Pelo menos foi o que li nos livros de romance, que peguei as escondidas na biblioteca. Já quando estamos em uma situação desconfortável, como em uma fila de banco ou aguardando atendimento médico, os ponteiros do relógio parecem se arrastar por ele. Esperar pelo transporte público em São Paulo então, nem se fale! É praticamente uma prévia de uma viagem para eternidade. Mas nem sempre o tempo parece justo.
Se tem algo que eu aprendi nesses dezoito anos, foi que nem sempre o tempo passará a meu favor. A terra gira ao redor do sol, e não em torno das minhas vontades! Quem sou eu na fila do pão? Uai!
É claro que se dependesse da minha vontade as coisas seriam diferentes. Mas a vontade de minha mãe sempre esteve acima da minha e o que me conforta é saber que no final é a vontade de Deus que prevalece.
A morte de dona Hortência parece ter sido o "gatilho" para que acontecimentos bizarros se desencadeassem dentro daquela casa. Olhando para trás em uma breve retrospectiva eu vejo que de lá para cá, muita coisa mudou.
Aprendi que um ano é tempo suficiente para uma jovem se tornar noviça e um império ser abalado. Eu ainda não consigo acreditar! Marcela era jovem demais para morrer! Mas dizem que Deus quer os bons ao seu lado. Por mais que eu pense sobre isso não consigo ter uma opinião formada. Ela merecia o paraíso, mas está fazendo muita falta aqui na Terra.
Cada pequeno acontecimento contribuiu para que estivéssemos reunidos aqui hoje. Cada circunstância foi essencial para o contexto inteiro. Que ironia! Veja só o que o tempo fez conosco! Me refiro a mim e ao Sr. Benjamin.
Duas vidas interrompidas e dois corações dilacerados. Não me parece justo, mas quem sou eu para questionar os desígnios de Deus?
Uma moça pobre destinada a viver seus dias em um convento. E um homem rico destinado a viver solitário em uma mansão. Talvez ele se case novamente, mas acho difícil conseguir esquecer Marcela.
Nós somos donos de corações opostos. Digo isso porque sei o quanto somos diferentes. Pelo tempo que morei naquela casa, posso dizer que ele é uma besta quadrada. Mas temos algo em comum. Perdemos "tudo".
Depois da morte de minha mãe e do falecimento repentino de Marcela, eu não tinha mais nada que me ligasse àquela família. De filha da empregada, fui promovida à noviça. Confesso que me doeu não ter sido informada da fatalidade, me senti ofendida. Nem mesmo a Ritinha entrou em contato. Nem sequer Antônia lembrou de mim. E o seu Bento? Será que eles se esquecerem de mim? Mas já estou começando a me acostumar com a frieza e indiferença das pessoas.
Clara faz questão de me lembrar diariamente os ensinamentos ministrados. Ela sempre tem as passagens bíblicas na ponta da língua e sempre me repreende quando me exalto. Ela sabe como acalmar os ânimos. Sempre sabe sabiamente o que dizer no momento exato. É firme quando necessário, mas cede ao lhe parecer prudente. Uma negociadora inteligente.
Eu pensei que um ciclo tivesse sido encerrado. Pensei que nunca mais cruzaria com um Fonteles. Jamais imaginaria que depois de tanto tempo, nós iriamos nos reencontrar.
Por falar em tempo, entre tantas transformações, é inevitável não reparar nas marcas refletidas na aparência. Ela que é poderosa e superficial ao meu ver.
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O Som da Solidão {EM HIATO}
General FictionMelissa era seu primeiro nome, para brindar a geração de mulheres de sua família com mais uma flor. Aparecida era o segundo, para glorificar a Nossa Senhora. Criada pela mãe e pela avó, Melissa desconhecia a paternidade e de todas as lições que apre...