Capítulo 10

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Retrospectiva

Melissa:


Quando Sérgio chegou, Benjamin foi prestativo e ajudou a colocar a caixa no porta-malas. Entrei no carro, acenei brevemente e pelo retrovisor pude vê-lo ficando cada vez mais longe de mim. Enquanto a distância aumentava entre nós, sua estatura diminuía, até ficar inalcançável aos meus olhos.

Qualquer lado que a íris de Sérgio olhava em minha direção me dava a terrível sensação de que ele estava reparando na camisa que eu vestia. Tentei desviar atenção dele usando as mãos para endireitar a touca enquanto falava. — O que aconteceu Sérgio? Pensei que você não viesse mais.

— Perdão, irmã Aparecida. Ocorreu um acidente na avenida Paulista, e eu acabei ficando preso em um engarrafamento. Sinto muito.

— Tudo bem, apenas fiquei preocupada. Sei que você teve a boa intenção de ajudar e fez o melhor que pôde. O importante agora, é que você chegou e já estamos indo. Foi um dia difícil e eu estou exausta. Além do mais, não teria dinheiro para pagar outro táxi e também não queria importunar o Sr. Fonteles pedindo que me trouxesse.

— Fonteles? Aquele é o tal Benjamin que manda bem nas panelas? Vi uma entrevista dele outro dia no programa da Ana Maria Braga. Ele parece ser bem famoso. Se eu tivesse prestado atenção no seu sobrenome e o reconhecido, teria pedido um autógrafo e também pra tirar um selfie com ele. Não é todo dia que damos de cara com um artista, não é mesmo, irmã? Minha esposa é fã do cara. Ela me pede pra jantar no "Fonteles" do centro da cidade com uma frequência que meu salário não consegue acompanhar. — Nós rimos juntos quando ele terminou a frase.

A conversa com Sérgio se estendeu durante o trajeto percorrido até eu terminar de contar minha a história e o fato de conhecer Benjamin Fonteles pessoalmente fazer sentido para ele. Quando paramos no do sinal vermelho, um silêncio se instalou dentro do veículo, como se perdêssemos a capacidade de fabricar assuntos.

A chuva ainda escorria pelo para brisa, porém agora, com menos força. Escorei a cabeça sobre o estofado do banco, envolvida pelo cinto de segurança, mas presa a velhos paradigmas. Olhando pelo vidro da janela do carro em movimento, eu via minha vida passando diante dos meus olhos, veloz e incapaz de ser acompanhada, como se eu estivesse alheia.

Chegando no convento, Sérgio desceu do automóvel, bateu a porta metálica e fez a volta para abrir a outra para mim. Me livrei do cinto e com a mão direita, levantei dois centímetros da saia para descer do carro. Eu agradeci a gentileza e como o porta malas já estava aberto, fiz menção de pegar a caixa.

Sérgio me impediu e foi mais rápido. Apenas me perguntou onde eu gostaria que ele a deixasse. Eu expliquei onde ficava o quarto das noviças e ele assentiu.

A chuva já havia cessado. Logo deu lugar a nuvens escuras que pairavam sobre nossas cabeças. De frente para a entrada principal, separada da porta apenas por um lance de escadas, senti quando um pingo caiu sobre a têmpora. Eu pude vê-lo segundos antes, como em uma retrospectiva. Vi o momento exato em que escorreu pela estrutura antiga, contornando os desenhos da arquitetura religiosa, até se desmanchar ao cair sobre mim e se transformar em um respingo fragmentado.

Quando me dei por conta, olhei para cima e vi o vulto de um hábito recuar um passo da abertura de vidros transparentes. Aquela mesma janela da qual eu observava Benjamin outro dia, sem que ele pudesse desconfiar. Lembrei que naquela altura e posição, pude reparar em tudo, até mesmo na sua falta de peso.

Era a irmã Rebeca. Eu tinha certeza. E se ela reparasse na camisa que estava vestindo? Olhei para o meu relógio simples, de pulso, e pude ver que já passava das dezessete horas. Rebeca deveria estar uma fera, imaginei.

O Som da Solidão {EM HIATO}Onde histórias criam vida. Descubra agora