Capítulo 16

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Raízes

         Melissa


"Espera".

Mesmo que de uma forma totalmente inconsciente, posso afirmar que esperei muito tempo por uma chance como esta. – Experimentar a vida segundo as expectativas da minha alma. Mas quanto tempo mais teria que esperar? Já fazia alguns minutos que estava plantada debaixo de um sol escaldante, em frente à casa de Benjamin. Apesar da ingenuidade típica da idade, não seria tola ao ponto de não ter enxergado sua sombra por detrás da cortina. Eu o reconheceria na mais difícil das hipóteses, mas tenho a certeza de que ele subestimou isso.

Me deixou ali parada, esperando pela sua boa vontade de me receber. Senti que fez pouco caso da minha presença, como se aquela ideia absurdamente bizarra tivesse partido de mim. Logo eu, que sempre tive minhas vontades reprimidas. Se não o conhecesse, diria que estava se comportando feito um menino que ainda não abandonou as fraudas. Dava para ver claramente que ele estava agindo como uma criança assustada que se esconde ao sentir medo, ou se igualando ao modo desajeitado de um adulto, quando este mesmo indivíduo não faz a menor ideia de como reagir diante de uma situação que lhe foi apresentada – repentinamente.

A questão é que ele sabia que eu viria. Deveria ter se preparado psicologicamente para a minha chegada, mas diferente disto, Benjamin ficou embasbacado.

Até parece que éramos desconhecidos! —Veja só! — Mas, talvez, seja exatamente isso que o tempo tenha feito de nós: dois estranhos com dores parecidas, que precisavam desesperadamente aprender a conviver com um dilema em comum: a dor de uma saudade eterna.

Preciso dizer que não o julguei por não encarar aquela versão de mim como a melhor de todas que já tive ou, simplesmente, a mais interessante, das quais o próprio Sr. Fonteles havia conhecido até então, até porque, ele também não estava na sua melhor fase e isso estava ficando cada vez mais evidente.

A mala continuava a mesma de sempre, porém agora, entre idas e vindas, a bagagem parecia estar muito mais pesada. Desta vez, trouxe comigo muito mais do que havia levado da última vez quando parti, algum tempo atrás.

É interessante como nós aprendemos pequenas lições diárias o tempo todo. Quero dizer que durante os últimos tempos vivendo como uma noviça dentro de um convento, fui moldada como um vaso feito de barro. Algumas coisas foram tratadas, embora outras feridas ainda permaneciam abertas mas, ainda assim, sinto que criei raízes e cresci. Mas da mesma maneira que uma muda pode ser arrancada e plantada em outro lugar, eu haveria de florescer novamente.

Crescer vai muito além do que contar anos ou aumentar centímetros em sua estatura. Uma forma de medir o crescimento alguém sem saber a sua idade, é saber quantos livros esta criatura leu durante um ano. No meu caso, segundo os meus cálculos, li o bastante para crescer tanto quanto o pé de feijão mais famoso da literatura e nada nem ninguém poderia me parar, até que pudesse tocar o céu — minha única referência de limite.

Além das histórias infantis que lia para as crianças no orfanato, se alguém levantasse o colchão, trocasse a fronha do travesseiro ou abrisse a gaveta do criado mudo, iria entender a razão das folgas entre as lombadas nas prateleiras da biblioteca e as faltas de títulos nas anotações de Irmã Clarice.

A leitura gerou em mim uma sabedoria prematura, adquirida aos pouquinhos, do mesmo modo que um líquido qualquer é derramado através de um conta-gotas. Ler histórias de amor era como provar o gosto da realidade, sem se apropriar verdadeiramente dela. Era provocar emoções, sentimentos, brincar de ser personagem, sonhar acordada, ensaiar beijos e se apaixonar por príncipes fictícios, mesmo sabendo que aquela era na verdade, uma grande ilusão – absolutamente proibida. Os capítulos eram gatilhos que ao serem lidos, eram capazes de despertar coisas adormecidas, mas que desde sempre existiram em mim, embora elas fossem silenciosas e quase nunca se manifestassem. Era extremamente prazeroso como sentir cheiros, descobrir texturas e sabores novos, desconhecidos. O medo de ser pega em flagrante aumentava consideravelmente a dosagem liberada de adrenalina em meu organismo e por conta disto, as histórias ficavam muito mais interessantes.

O Som da Solidão {EM HIATO}Onde histórias criam vida. Descubra agora