Prometo Falhar Part 3

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  Por que devo te amar,
você pergunta,
e eu te falo do barulho do vento na janela quando você me aperta, a sua
cabeça no mistério que fica entre os braços e os ombros, escondo os dedos no
interior do seu cabelo e te ouço respirar, pessoas como nós não procuram
explicações mas sobrevivências,
Devíamos aprender a querer devagar,
você arrisca,
entretanto já pousei os meus lábios nos seus, é insuportável o seu cheiro se eu não
puder te tocar, ficaríamos completos se houvesse apenas palavras, e o mais absurdo
é que nem precisamos falar, pessoas como nós não procuram a eternidade mas os
sentidos,
Cada instante merece um orgasmo,
invento,
tento te provar que os poemas são feitos de carne, nunca de versos, estranhamente
você não retrucas e me deixa olhar, fico mais de uma hora só te vendo e é tudo, peço
que você se coloque nas mais diversas posições, deve haver um ângulo qualquer em
que eu não seja completamente seu e o seu sorriso o quase céu, mas não o encontro,
pessoas como nós não procuram a pele mas a faca,
Há certa dignidade na maneira como nos abandonamos,
despeço-me,
visto-me com lentidão enquanto te amo finalmente, a vida não permite mais do
que o que temos, podíamos tentar a hipótese de uma rotina, quem sabe a adrenalina
sossegada de uma família, um beijo de manhã e outro à noite, uma cama que não
fosse apenas de sexo, até conversar com outro objetivo que não o prazer, mas não
sei se é amor o que não me dá tesão, pessoas como nós não procuram a paz mas o
medo,
Amanhã ou outro dia qualquer ou então nunca,
você declara,
e percebo então que você me deu a mais profunda declaração de amor, amanhã ou
outro dia qualquer ou então nunca, e eu consinto sem hesitar, pessoas como nós não
procuram promessas mas nunca falham uma com a outra.
Era um menino que sonhava demais, e um dia sonhou que havia uma folha
especial, uma folha tão especial que fazia com que tudo o que lá se escrevesse
ganhasse vida e fosse real, o menino adorou a ideia e foi contar aos pais
— você está maluco
mas o menino era um menino que sonhava demais e não desistia de sonhar, e em
vez de desistir da ideia aumentou a ideia, é essa a vantagem de ser um menino e
sonhar, quando se é um menino e se sonha em vez de se parar perante o sonho
aumenta-se o sonho, sonha-se ainda mais maior, ainda mais grande
— e se em vez de uma folha fosse um caderno inteiro
e o menino correu na livraria, pediu duas folhas do papel mais barato que havia,
os sonhos não têm de ser caros e o menino sabia, afinal de contas os melhores
brinquedos que tinha não eram brinquedos, uma bola de trapos, um parafuso que
para ele é a Torre Eiffel, um taco de madeira que ele transformou num automóvel
— vruum
ele e a folha em branco, a magia pela primeira vez, ali pode inventar o que quiser
porque inventou a folha mágica, basta escrever e acontece, ele não sabe muitas
letras nem muitas palavras, entrou há pouco tempo na escola, escreve o que sabe e
que no fundo é o que quer
— pai
depois olha e gosta, apaga um ou outro risco, põe direitinho para nada falhar, para
que a magia aconteça como tem de ser, olha outra vez, agora está perfeito, só mais
uma palavra e pode ser que a magia aconteça
— mãe
basta arrancar a folha e vai acontecer a magia, é agora que vai testar a sua
invenção
— pai
— mãe
e eles chegam, o menino arrancou a folha, leu as palavras várias vezes, e eles
apareceram, talvez preocupados com ele, talvez sem saber o que aconteceu, mas a
verdade é que aconteceu, a magia aconteceu, o menino explica aos pais outra vez
que inventara a folha mágica primeiro e o caderno mágico depois, os pais respiraram
fundo primeiro e o repreenderam depois
— não volte a nos assustar assim
o menino não compreendeu, que mal tem sonhar?, e continuou na sua invenção
que iria mudar o mundo, bastava escrever e o mundo mudava, imagine o que não se
poderia fazer com isso, pensou em mil e uma coisas para escrever, mil e uma coisas
para inventar, mas percebeu então que não sabia escrever e tinha de saber escrever
para que a folha fizesse o seu trabalho, podia chorar e ser como todos os outros
meninos que não têm o que querem e choram e param, mas este menino nisso era
diferente e quando tinha um sonho não chorava e fazia
— por favor me ensine a escrever até começarem os desenhos animados
a irmã mais velha riu mas não resistiu, ao fim do dia, quando chegavam da escola,
lá iam os dois para o quarto, ninguém sabia o que iam fazer, diziam que havia
trabalhos para fazer e havia, mas o menino estava só lutando pelo sonho, a irmã
gostou de brincar de professora e lhe ensinou tudo, as letras todas, e vinte ou trinta
dias depois o menino que só queria sonhar já tinha todas as ferramentas para criar o
seu sonho
— era uma vez
começou assim porque lhe pareceu que era assim que começavam todos os
sonhos, e foi escrevendo, frase a frase, invenção a invenção, e aos poucos foi
percebendo que aquele seu caderno era mais mágico ainda do que aquilo que ele
tinha inventado, afinal nem precisava arrancar a folha para existir, ele ia escrevendo
e à medida que ia escrevendo sentia tudo acontecer, o príncipe que queria voar, a
princesa que queria ser salva, o menino foi escrevendo e aquilo tudo foi
acontecendo, ele via ali, à sua frente, dentro de si, mesmo dentro de si, todas as
emoções, ria, sorria, até chorava, vejam lá
— como podem dizer que não existe se me faz chorar
e quando muitos anos depois, centenas de adultos e de crianças de uma escola
primária diante de si, ele apresentou mais um dos seus livros, resolveu oferecer um
presente especial a cada um deles
— é um caderno com superpoderes
e passou para a mão deles um monte de folhas em branco igualzinho ao que
mudou a sua vida
— o que vocês escreverem nele acontece mesmo
todos riram menos as crianças, que começaram imediatamente a experimentá-lo.  

Prometo FalharWhere stories live. Discover now