Éramos tão pequenos e já amávamos um amor tão grande.
Quando começamos a nos amar, eu esperava por você em frente à escola, parava
a minha Yamaha junto ao passeio, dava duas ou três aceleradinhas e todo mundo
parava para me ver, não posso dizer que não gostava, gostava, mas o que eu queria
era que você me ouvisse, me olhasse e talvez viesse correndo para os meus braços,
e se valia a pena ter uma moto, só eu sei o que tive de fazer para comprá-la, era para
te obrigar a olhar para mim.
Éramos tão novos e já amávamos um amor antigo.
No princípio você não ligava, eu ficava ali dez, quinze, vinte minutos, até deixar
de ser interessante estar parado em frente a uma escola secundária, até todos
deixarem de me ver como um cara descolado e passarem a me ver como um palerma
qualquer que ia para a porta de uma escola dar aceleradinhas na sua moto, e eu tinha
de ir embora, muitas vezes, sem ver os seus olhos nos meus ou na minha moto, sem
ver o seu sorriso, sem que o dia valesse a pena. Nesses dias eu ia por outros
caminhos e esperava que você saísse, te via com as suas amigas, todas elas sem
saber que eram amigas da menina mais bonita (é você, sabia?) que o mundo
conheceu, e pensava que um dia seria eu, eu e você, de braço dado, sem precisarmos
de motos e de aceleradinhas, que desperdício seria ter as minhas mãos ocupadas
num volante quando existiria a sua pele para tocar antes que o tempo passasse, eu e
você e a ausência de uma moto, assim seria o mundo perfeito por mais que ver você
sorrindo já fosse tão bom.
Éramos tão ingênuos e já sabíamos tudo.
É claro que crescemos, você cresceu e deixou de ser a menina mais bonita que o
mundo conheceu para passar a ser a mulher mais bonita que o mundo conheceu, eu
cresci e deixei de ter uma moto e passei a ter um carro, mas no fundo ficamos as
mesmas pessoas, não mudamos um bocado que fosse, você continuava a estudar e
eu continuava a trabalhar que nem um cão para poder te ver sair da escola e depois
da universidade, havia, claro que havia, de ganhar coragem para te dizer um dia que
te queria como um carro precisa de um motor, como uma moto precisa de um
escapamento, como as rodas precisam de estrada, sei lá, uma metáfora (é assim que
se diz, não é?) qualquer, perdoe-me mas tudo o que me lembro são coisas lá da
oficina, eu só queria que você entendesse, logo aí, que se eu não te abraçava e te
dizia que te amava era apenas porque dizer uma vida ainda custa um pouco, mas eu
tinha certeza de que um dia, sim, um dia eu seria capaz, você só tinha de esperar um
pouco, só um pouco, está bem?
Éramos tão ignorantes e já entendíamos o sentido da vida.
Você me traz toda a sabedoria do mundo, que isso fique bem claro, aconteceu
naquele dia eu te ver com aquele rapaz que você provavelmente conheceu na
universidade, e se me pedissem nesse dia para explicar o que era o ciúme eu iria
responder «aquilo que mata», e se a morte existe não deve doer tanto assim, você
nos ombros dele, o sorriso e por momentos a desistência, mas quem ama nunca
desiste, li num livro, um dos livros que passei a ler desde que percebi que se queria
te conquistar tinha de dizer as palavras certas e não as erradas, no fundo a diferença
entre ser feliz e não ser feliz está na escolha das palavras, o mais feliz, aprendi num
instante, é sempre aquele que diz melhor.
Éramos tão incompletos e já não nos faltava nada.
Quando me abraçou pela primeira vez, você não viu mas é mesmo verdade, deixei
cair o papel que tinha na mão e que tinha preparado com tanto cuidado para te dar, já
não sei o que tinha escrito lá com certeza era uma maneira qualquer de te dizer que
te amava de uma forma poética, acho que até rimava, veja você, mas quando você
me abraçou pela primeira vez, estávamos sozinhos no centro de uma rua cheia de
pessoas, eu deixei cair o papel e disse que te amava, não usei poemas nem versos
nem rimas, disse «te amo» e os seus olhos abriram e fecharam, depois você olhou
para o céu, não sei se agradeceu mas eu agradeci, e você voltou a me abraçar e ao
ouvido eu ouvi alguém dizer «eu também» e quis acreditar, ainda quero, que foi
você, porque se não foi então está explicado que o amor compensa a cegueira com o
excesso de audição, e agora até já tento fazer piada, veja o que você faz em mim, um
homem anda treinando para ser poeta e o máximo que consegue é ser ridículo, e
talvez até sejam exatamente a mesma coisa agora que penso nisso.
Éramos tão passageiros e já nada nos conseguiria separar.
A vida é uma puta, sabe?, nos obriga a fazer o que não queremos, a dizer o que
não queremos, e há as contas, os empregos, as obrigações, o peso dos dias marcando
o tempo, a idade que não para, e quando nos cruzamos com o que não era tão
perfeito como nós não aguentamos a pressão, eu cedi ao mais fácil e fui orgulhoso,
você cedeu ao mais fácil e foi orgulhosa, e quando demos por nós éramos apenas
mais um casal mais ou menos numa casa mais ou menos com uma vida mais ou
menos, e nada do que nós fomos merecia uma coisa tão insignificante assim. Foi
então que eu decidi partir, levei os sonhos e lá fui eu, você ficou, sei que chorou
como eu chorei, sei que você acreditou que por mais que doesse estava certo, e que
raios aprendemos nós para sequer colocarmos a possibilidade de algo que dói tanto
estar porventura certo? O que dói nunca está certo, eis a única verdade certa, e os
anos passaram e havia mulheres e homens entre nós, até rugas e filhos, e eu quando
pensava no valor da vida tentava apenas te avaliar por inteiro, perceber onde você
estava e o que estava fazendo, até que, já estava completamente careca e
completamente velho, peguei na minha velha Yamaha e fui para a porta da escola,
onde todo mundo me olhou e disse que eu era legal, um velhote com pinta é sempre
uma coisa legal, mas o que eu queria era que você viesse outra vez, pensei que você
não viesse, mas quando ouvi uma das crianças, era a mais bonita com certeza, dizer
«vem aí a professora» percebi que você estava se aproximando e usava a mesma
roupa (como conseguiu se manter tão elegante?) e a mesma certeza de que era, ainda
é, a menina mais bonita do mundo que depois passou a mulher mais bonita que
depois passou a ser a velhota mais bonita do mundo, e quando você montou na
minha moto e eu dei duas aceleradinhas bem fortes para todo mundo nos ver partir
eu percebi (você também percebeu?) que nunca deixamos de ser o que amamos.
Éramos tão velhos e ainda tínhamos a vida toda pela frent
pouco, só um pouco, está bem?
Éramos tão ignorantes e já entendíamos o sentido da vida.
Você me traz toda a sabedoria do mundo, que isso fique bem claro, aconteceu
naquele dia eu te ver com aquele rapaz que você provavelmente conheceu na
universidade, e se me pedissem nesse dia para explicar o que era o ciúme eu iria
responder «aquilo que mata», e se a morte existe não deve doer tanto assim, você
nos ombros dele, o sorriso e por momentos a desistência, mas quem ama nunca
desiste, li num livro, um dos livros que passei a ler desde que percebi que se queria
te conquistar tinha de dizer as palavras certas e não as erradas, no fundo a diferença
entre ser feliz e não ser feliz está na escolha das palavras, o mais feliz, aprendi num
instante, é sempre aquele que diz melhor.
Éramos tão incompletos e já não nos faltava nada.
Quando me abraçou pela primeira vez, você não viu mas é mesmo verdade, deixei
cair o papel que tinha na mão e que tinha preparado com tanto cuidado para te dar, já
não sei o que tinha escrito lá com certeza era uma maneira qualquer de te dizer que
te amava de uma forma poética, acho que até rimava, veja você, mas quando você
me abraçou pela primeira vez, estávamos sozinhos no centro de uma rua cheia de
pessoas, eu deixei cair o papel e disse que te amava, não usei poemas nem versos
nem rimas, disse «te amo» e os seus olhos abriram e fecharam, depois você olhou
para o céu, não sei se agradeceu mas eu agradeci, e você voltou a me abraçar e ao
ouvido eu ouvi alguém dizer «eu também» e quis acreditar, ainda quero, que foi
você, porque se não foi então está explicado que o amor compensa a cegueira com o
excesso de audição, e agora até já tento fazer piada, veja o que você faz em mim, um
homem anda treinando para ser poeta e o máximo que consegue é ser ridículo, e
talvez até sejam exatamente a mesma coisa agora que penso nisso.
Éramos tão passageiros e já nada nos conseguiria separar.
A vida é uma puta, sabe?, nos obriga a fazer o que não queremos, a dizer o que
não queremos, e há as contas, os empregos, as obrigações, o peso dos dias marcando
o tempo, a idade que não para, e quando nos cruzamos com o que não era tão
perfeito como nós não aguentamos a pressão, eu cedi ao mais fácil e fui orgulhoso,
você cedeu ao mais fácil e foi orgulhosa, e quando demos por nós éramos apenas
mais um casal mais ou menos numa casa mais ou menos com uma vida mais ou
menos, e nada do que nós fomos merecia uma coisa tão insignificante assim. Foi
então que eu decidi partir, levei os sonhos e lá fui eu, você ficou, sei que chorou
como eu chorei, sei que você acreditou que por mais que doesse estava certo, e que
raios aprendemos nós para sequer colocarmos a possibilidade de algo que dói tanto
estar porventura certo? O que dói nunca está certo, eis a única verdade certa, e os
anos passaram e havia mulheres e homens entre nós, até rugas e filhos, e eu quando
pensava no valor da vida tentava apenas te avaliar por inteiro, perceber onde você
estava e o que estava fazendo, até que, já estava completamente careca e
completamente velho, peguei na minha velha Yamaha e fui para a porta da escola,
onde todo mundo me olhou e disse que eu era legal, um velhote com pinta é sempre
uma coisa legal, mas o que eu queria era que você viesse outra vez, pensei que você
não viesse, mas quando ouvi uma das crianças, era a mais bonita com certeza, dizer
«vem aí a professora» percebi que você estava se aproximando e usava a mesma
roupa (como conseguiu se manter tão elegante?) e a mesma certeza de que era, ainda
é, a menina mais bonita do mundo que depois passou a mulher mais bonita que
depois passou a ser a velhota mais bonita do mundo, e quando você montou na
minha moto e eu dei duas aceleradinhas bem fortes para todo mundo nos ver partir
eu percebi (você também percebeu?) que nunca deixamos de ser o que amamos.
Éramos tão velhos e ainda tínhamos a vida toda pela frente.

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Prometo Falhar
Roman d'amour"Prometo Falhar" é um livro que fala de amor. O amor dos amantes, o amor dos amigos, o amor da mãe pelo filho, do filho pela mãe, pelo pai, o amor que abala, que toca, que arrebata, que emociona, que descobre e encobre, que fere e cura, que prende e...