À vida não peço muito, nunca pedi, o meu corpo em condições de te procurar e
todo o resto por acréscimo. Poderia haver talvez a possibilidade de um fim de
semana a dois, só um aqui e ali, eu e você sem o mundo para incomodar, em
qualquer lugar que pode mesmo ser um lugar qualquer. Em seguida gastaríamos os
dias fazendo de conta que existia alguma coisa além da necessidade de nós. Eu
poderia mesmo arranjar um emprego, trabalhar das nove às cinco, sorrir para os
meus colegas quando contassem uma piada, insultar entredentes o meu patrão
porque ele não entendia toda a minha competência, tudo para poder chegar em casa,
já à noitinha, e te dizer «te amo e até já me esqueci de tudo o que vivi hoje», e
depois você poderia dizer «como foi o dia, meu amor?», e eu responderia como
todos os chefes de família que não tinha sido fácil mas que se ia levando, até que,
após duas ou três falas sem importância nenhuma, chegaria o abraço e depois o beijo
e depois o corpo e depois o prazer e depois nós estendidos numa superfície qualquer
que tivesse espaço para o que nos queríamos. Haveria mais gemidos do que já
houvera, os vizinhos fariam queixa ao porteiro, o porteiro ligaria, diria, sem saber
bem como, que estávamos incomodando com os nossos barulhos, eu diria que não
seria um porteiro que iria me impedir de amar, e voltaríamos para os gemidos só
para mostrar que quando se ama nem os decibéis podem ser medidos.
«Só o que ultrapassa todos os limites pode mudar o mundo, sabia?», você
perguntaria, o cigarro na boca, o corpo nu, a janela aberta e os vizinhos da frente,
como sempre, apaixonados pela aritmética perfeita do seu corpo, eu te respondendo
da maneira possível, dizendo a você que não acreditava que houvesse limites desde
que conheci o interior dos seus lábios, você de imediato diria, com aquele seu jeito
de menina ingênua e ao mesmo tempo de putinha indomesticável, que você adorava
a maneira como eu usava as letras para te abrir as pernas, e sem eu dar por isso já
estava outra vez dentro de você, as suas coxas molhadas nas minhas ancas e todos
os orgasmos outra vez possíveis.
«Todo mundo conhece o tamanho de um orgasmo», você diria, sem que eu
percebesse por quê ou para quê, e você continuaria a sua dissertação com a ideia de
que na verdade só existia o prazer para que existisse o homem, e que o prazer vem
antes da vida, pela simples e tão elementar razão de que é só com ele e do que dele
resulta que existe o nascimento; eu continuaria estendido na cama, vendo a sua
silhueta na janela e por debaixo da luz que entra pelo vidro, imaginando o que seria
do mundo se não existisse a impotência de não te amar assim, de não te necessitar
assim, pensaria também que nada daquilo teria futuro, que nós não teríamos futuro,
éramos dois loucos a brincar de corpos, dois meninos a brincar de orgasmos, tanta
inconsequência, tanta incapacidade de criar um futuro, enquanto você não fazia ideia
do que eu pensava ou imaginava e você só queria transmitir uma ideia, que julgava
imutável e inatacável, segundo a qual o amor consiste na capacidade de encontrar
todas as paixões num só corpo, concentrar todos os sexos num só sexo, e você
concluiria que não, que não seria capaz, que me pedia desculpas mas era incapaz de
amar um só corpo assim como era incapaz de amar uma só vida, e que era por isso
que inventava pessoas em você, era a menina e a adulta, a rebelde e a certinha, era
tudo o que podia ser, isso e o seu contrário, para que você pudesse resistir, não
porque fosse traidora ou infiel, não porque não gostasse de mim até o fundo da pele
e até o começo dos ossos, mas apenas porque você tinha a estranha mania de insistir
em ser feliz.
Você apagou então o cigarro, a luz da Lua quando você se virou me fez acreditar
que se Deus existisse seria qualquer coisa como o que eu vi em você, você me deu
um beijo de despedida, disse que era impossível me dar aquilo que eu merecia, e
quando você se preparava para bater a porta e sair eu te disse apenas que se você
não podia me dar o que eu merecia eu tinha todo o direito de exigir que você me
desse o que eu não merecia.
À vida, não sei se já te disse, não peço muito, apenas o meu corpo em condições
de te amar e o teu corpo mesmo que velho debaixo de uma lua só nossa.
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Prometo Falhar
Любовные романы"Prometo Falhar" é um livro que fala de amor. O amor dos amantes, o amor dos amigos, o amor da mãe pelo filho, do filho pela mãe, pelo pai, o amor que abala, que toca, que arrebata, que emociona, que descobre e encobre, que fere e cura, que prende e...