Prometo Falhar Part 46

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  (ela no colo dele)
— Se eu pudesse escolher tinha nascido nos seus braços.
— ...
— Para não perder tempo. Para perceber, logo ali, onde estava o
motivo para estar ali.
— Todos devíamos nascer nos braços da pessoa com quem vamos
morrer. Por questão de economia de esforços. Para começarmos, de imediato, a
ganhar tempo.
(a mão dele no rosto dela, lentamente descobrindo cada ruga no rebordo dos
olhos)
— Todas as mães entenderiam que há amores que são urgentes.
— Todos.
— E que encontrar o caminho no meio do caminho é meio caminho perdido.
— Antes de você eu procurava; depois de você continuo a procurar. Mas já
encontrei. Procuro mais do que encontrei.
— Amar é isso. Procurar mais mesmo depois de já estar encontrado.
— Na pior das hipóteses te encontro outra vez.
(abraço apertado)
— Você sabe que sempre que acordo ainda te olho, ainda te toco? Para saber que
você está, para saber que isto existe.
— E te ver respirar. Fico horas lutando contra o sono para te ver respirar. Sinto
cada movimento do seu peito como se sentisse o espaço que a vida ocupa dentro de
mim. O seu peito sobe e eu vou com ele, desce e eu vou com ele. E é assim que
adormeço, com a certeza de que você respira. Com a certeza de que posso dormir
descansado.
(lágrimas no rosto dela, a cabeça perdida no colo dele)
— Acordamos sempre de mãos dadas. Já reparou?
— É como se até nos sonhos precisássemos estar juntos. Adormeço e te levo
comigo, mão na mão, para que nenhum caminho que faço, mesmo o que acontece por
dentro do meu inconsciente, se faça sem você.
— Outro dia sonhei que era a mulher mais feliz do mundo. Depois, quando
acordei e te vi ao meu lado, é que percebi que afinal tinha sonhado que era a
segunda mulher mais feliz do mundo.
— Se eu pudesse ter escolhido o que queria sentir ficaria aquém do que realmente
sinto.
(as roupas se despem; primeiro as dele, depois as dela)
— E tudo o que nos dizemos sai da nossa alma. Te falo e o que digo sai de
dentro, do mais fundo de mim. Se eu tivesse de mentir para você tinha de te dizer a
verdade.
— Nunca tivemos uma conversa. Tudo o que falamos se estende. Fa- lamos a
mesma conversa por mais diferente que seja o assunto. Quando nos falamos o
assunto é nós. Pode ser biologia, ciência ou política. Quando nos falamos o assunto
é sempre nós.
(olhos nos olhos, suor, olhares partilhados, mãos excitadas)
— Me ame como se fôssemos intermináveis.
— Não há outra opção: ou você ama como se fosse a última vez, e isso não é
amor nenhum, é apenas tapar o medo com o prazer, a ansiedade com o gemido, o
som do silêncio com o som do gemido; ou você ama como se fosse a interminável
vez, e é assim que o amor pacifica sem deixar de desassossegar, como uma corrente
forte, rápida, mas nunca apressada, nunca desesperada.
Ou desesperada na medida certa. Excessiva na medida certa.
— Tem de ter um sabor grande demais sem ser exagerado.
(o instante de um no outro)
— Me ame como se me falasse com o corpo.
(e chega o momento final)
— Se eu pudesse escolher tinha nascido nos seus braços.
Não sei o que sou mas sei que sou sua.
Não acredito em amores que façam mal apesar de ter certeza de que todos os
amores fazem mal. Amar é ter a certeza de que é melhor dois pássaros voando do
que um na mão. Nenhum provérbio sabe o que é o amor.
Troco uma vida de orgasmos pelo orgasmo de uma vida.
Há uma quase felicidade em cada minuto sem você, e até o prazer acontece sem
que eu venha com ele. Os mais cerebrais me pedem contenção, me pedem anulação.
Mas não se pode conter o que nos faz querer. Não se pode conter o que nos faz
viver. E se a vida existe é para que seja assim para você, para que alguém, um dia,
possa ser assim de alguém.
Só quem nunca deixa de ser completamente de si mesmo consegue ser
completamente de outra pessoa.
Sou em você o que nunca poderia deixar de ser, a mulher que nunca fugiu do que
a pele lhe dá, que nunca se entregou ao tanto faz. Se faço me faço toda, se quero me
entrego toda, se preciso me curvo toda. Se estou aqui para viver estou aqui também
para ceder. Para saber que não sou menos só porque não sou rainha, e para que
todos os reinos se governem por dentro.
Só quem consegue ficar em cacos consegue ser-se por inteiro.
Só os coitados vão até o meio da ponte. Não admito me encontrar no que nada é.
Se quero chegar vou até ao outro lado, sem orgulho e orgulhosa, tremendo mas sem
medo, e quando me disserem que fui fraca responderei com o desprezo de quem só
admite o êxtase quando o êxtase é possível.
A força consiste em recusar o satisfaz bastante quando se pode ter o satisfaz
plenamente.
Não sei a mulher que sou mas sei a mulher que não sou. Não sou a mulher que se
esconde nos tachos, a mulher que se cala nas horas, que se entrega ao embuste da
segurança, à fraude suportável de ver passar o tempo. Não. Não sou. Não sou a
mulher do fado e das lágrimas, a mulher do enfado e das rotinas, dos sonhos que se
arrastam pelas esquinas. Não. Não sou. Não sou mulher de sorrisos quando existe a
gargalhada, de aldeias quando existe o mundo. Não sou nem um milímetro menos do
que aquilo que posso ser, e se um dia cair foi porque tentei saltar e não porque
preferi aceitar.
Antes um Titanic afundado do que um barco que não vai a lugar nenhum.
Não sei o que sou mas sei que sou sua. 

Prometo FalharWhere stories live. Discover now