Prometo Falhar Part 43

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  O mais perigoso é o que é razoável.
O que não é bom nem mau — é bonzinho, é mauzinho. O que não entusiasma nem
deprime, o que não oferece orgasmos nem lágrimas. O que nem aquece nem
arrefece.
O mais perigoso é o que é razoável.
E a razão. A cabra da razão. Noventa por cento das pessoas passam noventa por
cento do tempo à procura daquilo que em noventa por cento dos casos serve para
absolutamente nada. A cabra da razão. E depois há o «bem que eu te disse», o «se
fosse eu tinha feito diferente», o abominável «foi o que eu disse». Tudo pela cabra
da razão. Tudo pela besta da razão.
Só os que não têm medo de não ter razão podem ser bestiais.
Os que sabem que podem falhar. Os que sabem que fazem a toda a hora merda
atrás de merda. Não porque querem. Não porque não tentaram. Mas apenas porque
fizeram, porque arriscaram, porque deram o passo em frente quando todas as bestas
que estavam à volta, cagadinhas de medo, lhes diziam para parar por ali.
Antes um idiota que tenta do que um gênio que aguenta.
E eu sou o cara que tenta. O cara que quer diferente de tudo o que vê. O cara que
quando vê algo genial não critica, ressabiado, quem o fez — e que procura, ao invés,
fazer ainda melhor. Eu sou o arrogante que acredita que pode fazer melhor do que
tudo o que vê. E que faz tudo o que pode para fazê-lo mesmo. Pode não conseguir (e
só ele sabe como custa ficar sempre aquém, ficar sempre a milhas daquilo que
gostaria de ter feito, daquilo que gostaria de ter produzido). Mas tenta. Tenta
mesmo. Tenta sem hesitar. E se sujeita à crítica dos pseudointelectuais. Dos que
passam a vida apontando o dedo (e é tão fácil apontar o dedo; qualquer um consegue
apontar o dedo; quando você não tem mais do que um dedo para apontar aponta o
dedo para aguentar: para se aguentar com o peso da sua incapacidade para fazer).
Dos que têm sempre a puta da razão porque nunca ousam, por um momento, fazer
mais do que aquilo que outros já fizeram. Dos que são, e serão sempre, adjuntos.
Eternos adjuntos. Homens e mulheres que nunca perderão o emprego — porque
estão amoitados atrás dos que dão a cara, a alma, a vida, por aquilo em que
acreditam.
Antes um idiota chapado do que um gênio acovardado.
Quando alguém me vir replicar a ideia de alguém pode me dar um tiro no meio
dos olhos. Quando alguém me vir fazer apenas o que outros já fizeram, escrever
como os outros já escreveram, criar o que outros já criaram, pode me dar um tiro na
cabeça. Porque será então que estarei morto. Completamente (e todos sabemos
como é possível estar apenas parcialmente) morto. Quando alguém me vir criticar
alguém que fez diferente, que ousou diferente, que inventou diferente, pode me dar
um tiro na cabeça. Estou aqui e dou a cara. Sou o Pedro Chagas Freitas e fabrico
ideias. Esbofeteiem-me. Sou o Pedro Chagas Freitas e não há um dia só que passe
sem inventar algo de novo. Pode ser um texto, uma construção frásica, um uso
radical de um sinal de pontuação. Ou então um jogo para crianças, um conceito de
programa de televisão, um livro que é tão especial que nem ordem tem. Eu sou o
Pedro Chagas Freitas e sou um idiota: eis tudo.
Antes um idiota ostracizado do que um gênio domesticado.
E as capelas. E a meia dúzia de iluminados. Os que definem o que é bom e o que
é mau com um piscar de olhos. Coitados dos iluminados. Os artistas. Coitados dos
artistas. Que ninguém ouse, um dia, chamar-me de artista — porque eu sou apenas
um suador profissional. O cara que trabalha que nem um cão para criar o que um dia
sonhou que ia criar. E cria mesmo. E é pouco. É sempre pouco. Há sempre mais
para criar. E quando não houver mais para criar é porque é tempo de desligar. As
máquinas, o coração, a respiração. Parar tudo. Quando já não houver o que criar já
não haverá o que viver. Me matem antes de esse dia chegar. E escrevam no túmulo,
bem claras, as seguintes palavras: aqui está o idiota que só quis fazer o que quis. E
conseguiu.  

Prometo FalharWhere stories live. Discover now