«Você podia ter fodido tudo menos a ilusão.»
Na esplanada onde nos conhecemos, o fim do mundo num fim de tarde como o fim
de tarde em que a vida começou a fazer sentido.
«A maior filhadaputice do mundo é o fim de uma ilusão.»
E a cidade parece se fechar a cada passo que dou. Já não há as suas palavras. Já
não há as suas mãos, a pele rugosa — «são as mãos da minha alma; por dentro sou
uma adorável velhinha» — das suas mãos. E o tempo. O tempo é como uma
penitência que tenho de pagar.
A cada minuto sem você vivo toda a vida que tive contigo.
A esplanada sem o seu corpo, a esplanada sem a sua voz. A crueldade de um
mundo feliz. Como se pode ser feliz quando se amou assim?
«Quando se fode a ilusão está tudo fodido.»
Eu te disse que aguentava. Te disse que o sentido da vida estava em continuar.
Acreditei. Acreditei mesmo que havia um continuar. E há. Tudo o que faço é mesmo
isso, apenas isso. Desesperadamente isso. Continuar. Sem você continuo. Continuome.
Te perder mudou tudo mesmo que tudo continue na mesma.
Já não sei há quanto tempo morri. Há quanto tempo a esplanada vazia. Há quanto
tempo as suas costas — «me agarre assim, me aperte assim, gosto de sentir o seu
peito atrás de mim, o seu sexo crescendo por debaixo da calça» —, a distância das
suas costas na esplanada em que tudo se fez e tudo se desfez. Já não sei onde fica a
vontade de mais um dia.
«Não pense que por te odiar não te amo.»
A ilusão. A cabra da ilusão. Deixei que caísse. Deixei que escorregasse. Deixei
que a vida tomasse conta de nós. E a preguiça. A cabra da preguiça. Deixei que
avançasse sobre nós, que conquistasse, dia a dia, um palmo de terreno. Deixei que a
casa onde duas pessoas se amavam passasse a ser a casa onde duas pessoas
moravam.
As casas não servem para morar; as casas servem para amar.
A nossa ainda aqui está. Nossa mesmo que só um homem perdido aqui persista.
O seu armário intacto, as suas dedadas no vidro como prova de que você ainda
existe. O espelho em que você se via depois de vir — «gosto de saber como parece
um orgasmo, o que um orgasmo faz com a minha pele» — e a mensagem que escrevi
com lágrimas e o batom que você esqueceu na mesinha de cabeceira: «Há sempre
tempo para mais uma ilusão.»
Volte agora ou morra para sempre.
E se já for tarde demais esqueça o relógio e venha correndo.
Um abraço seu nunca chega atrasado.
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Prometo Falhar
Romansa"Prometo Falhar" é um livro que fala de amor. O amor dos amantes, o amor dos amigos, o amor da mãe pelo filho, do filho pela mãe, pelo pai, o amor que abala, que toca, que arrebata, que emociona, que descobre e encobre, que fere e cura, que prende e...