Prometo Falhar Part 6

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  O que mudou sem você foi sobretudo o tamanho das coisas,
o desta cama, por exemplo, que era ridiculamente pequena quando nós nos
amávamos,
quantas vezes decidimos comprar uma maior, abríamos um catálogo qualquer, mas
depois nos esquecíamos porque havia esta e os nossos corpos logo ali, e se calhar
era o suficiente para sermos felizes, lembra?,
o suor e as voltas, as palavras no ouvido, as respirações perdidas mas não tanto
como o resto de nós,
hoje estou sem cueca,
lembra quando você me dizia isso?, o sorriso absoluto e eu aos seus pés, uma
cama é um espaço a menos quando se quer assim, e agora é intolerável de tão
grande,
cheguei a te dizer que quando o palhaço do teu pai me confessou que você tinha
sido feita numa rapidinha eu respondi que ele só podia estar redondamente enganado
porque a pressa é inimiga da perfeição?, sou tão idiota, não sou?, a sorte foi você
me amar mesmo assim por aquele tempo todo,
as casas não se medem em metros, só em silêncios,
a sala imensa, os mesmos quatro ou cinco móveis, a televisão, o sofá, e tanto
espaço para preencher, isso sem falar do tamanho do que me dói, claro,
você me viciou na violência, é isso,
e agora tudo está calmo demais, eu que só queria uma história banal, a família que
todos querem e uma vida mais ou menos para continuar, mas você me mostrou onde
começa o orgasmo e agora é tão pouco o que eu banalmente consigo ser sem você,
olhar é o princípio do terror, agora eu sei,
até a sua crueldade me fascina, a maneira como você me mostra sorrateiramente o
corpo e me excita, o que eu teria ganhado em paz e perdido em vida se não fosse por
aquela rua naquele dia?,
você estava com o vestido mais bonito da história da moda e isto digo eu que nem
sequer vi o que você estava usando, aconteciam acima os seus olhos e o seu rosto,
há que ter prioridades e eu as tive,
o rosto existe para as mãos,
pelo menos o seu para as minhas, eu mal te conhecia e já arriscava tudo com a
minha mão direita a se encaixar perfeita na sua pele, o polegar a tocar os lábios, os
olhos fechados a verem pela primeira vez ao vivo de que parte de mim sai a
felicidade,
se as borboletas vivem tão pouco porque é que a que voa por você ainda resiste?,
que se lixe a Sociedade Protetora dos Animais e mais as associações todas, vou
deixar de alimentá-la e seja o que tiver de ser, entre a consciência e a loucura prefiro
aquela que trouxer você, ou precisamente a que não te trouxer completamente, e até
lá vou usar um xale ou dois e um pano sobre o peito,
sempre ouvi dizer que há que tapar os mortos por uma questão de respeito.  

Prometo FalharWhere stories live. Discover now