Alvejada

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Seu coração palpitava numa angústia sem fim. Lá estava ela, movendo-se pela noite. Rasgando a madrugada antes que as primeiras luzes do dia viessem a surgir. Por que se precipitou em aceitar um encontro tão arriscado? Não. Não havia por que hesitar. Aquele perfume ficava mais forte a cada passo que dava. Era ela! Deslizando os dedos suavemente pelo corrimão empoeirado criava um vínculo com o lugar. Seus olhos agora viam as memórias daquela escada. Borrões turvos davam lugar a algo mais nítido quando ela se concentrava, mas nem sempre. Nobunaga podia fazer com que os borrões fossem mais sólidos. Ele era um mestre em esconder coisas. Ela era especialista em achar o que estava escondido. Foi assim que ela encontrou Raquel Orleans e a ajudou-a a realizar a coroação de Cesar Silva. Agora, tão fácil quanto antes encontraria Judite Silva. A Rainha de Copas, irmã do Rei de Ouros, convidou-a para encontrar-se em alguma parte do porto da cidade. E lá estava ela, movendo-se pela noite. Rasgando a madrugada antes que as primeiras luzes do dia viessem a surgir. Era por uma boa causa, não era? Minerva caminhava com a arma no coldre, pronta pra usá-la, ainda que suplicasse aos céus que não fosse necessário. Mais do que ninguém, não queria que houvesse conflito entre as facções. Não por alguém importante para ela estivesse do outro lado, mas por as únicas pessoas que lhe restaram se resumirem a seu anjo, seu rei e seu servo. Tais pensamentos fizeram-na voltar. Os borrões se misturavam com tontura e náuseas antes de voltar ao seu estado normal. Já tinha o bastante. Judite estava lá. Aparentemente sozinha. Ótimo. Fez a curva e avistou-a.

– Bom dia.

– Como vai, Minerva?

– Sobrevivendo.

– Todos os dias. Entendo.

– Então, qual o motivo de estarmos aqui?

– Vocês também receberam a carta de Elizabeth, certo?

– Claro.

– E o que responderam?

– O óbvio: Vamos cooperar.

– Ótimo. Também irei.

– E seu Reino está de acordo?

– Meu Reino não sabe. Meu Rei é contra.

– Você sozinha vai declarar guerra contra os seus?

– Não... Não seja boba... Vou convencê-los.

– E como pretendes fazer isto?

– Eu não posso te contar, mas você vai me ajudar.

– Vou?

– Se você quiser uma aliança entre os Reinos...

– Quero. O que posso fazer por você?

– Vai mesmo fazer este sacrifício por mim?

– O que você precisa?

– Não muito. Apenas me abrace.

– Claro. Será um prazer.

Lá estavam elas, iluminadas pelos primeiros raios do dia. Abraçadas por mais de dois minutos. O sol tocava sua pele inutilmente, pois o calor já havia se desprendido daquele corpo há um minuto. O último suspiro foi mudo tal como um disparo de uma arma com silenciador. Não foi difícil trazer sua presa até ali. A rainha de espadas fora alvejada. O grande desafio seria ocultar o corpo. Euterpe poderia rastrear Minerva até ali. Judite sabia. Desafio maior ainda seria encobrir o ato dos olhos de seu irmão – que poderia prever seus passos – e ainda sim ela conseguiu. Aproveitou-se das jogadas ousadas de Paus – que convidavam todos os holofotes para si – e fez seu truque enquanto ninguém olhava. Aquele local estaria coberto por borrões. Nobunaga podia fazer com que os borrões fossem mais sólidos que qualquer outra pessoa, mas ele não era o único que poderia encobrir algo com a sombra da espada. Roger também poderia fazê-lo. Ela apenas precisou usar seu dom para bagunçar um pouco as memórias do rapaz. Após isto, ele acreditava em cada palavra dita por ela. Judite vencia um jogo fazendo valer suas próprias regras.

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