A manhã de sábado prometia um dia quente, abafado e mais vibrante do que o normal. Não havia sequer uma nuvem no céu azulado de Lisiantos, e Adriana desejou que Dante não tivesse inventado aquela ideia estúpida de dar uma olhadinha no Festival das Flores.
A praça principal da cidade estava tomada por barraquinhas de flores, vendedores alegres, flores de todas as cores e tipos e turistas sorridentes que sentiam a necessidade de apontar suas câmeras — e celulares — para tudo o que se movesse. Adriana semicerrou os olhos, sentindo os raios de sol aquecerem seu rosto. O cheiro adocicado das flores deixava o clima preguiçoso, como se o verão pudesse dar uma rasteira na primavera e entrar a qualquer momento em cena.
Era como se tudo transcorresse em câmera lenta. Produtores e vendedores sorriam, mostrando flores aos turistas e possíveis compradores como pai orgulhosos. Uma bandinha tocava num pequeno coreto no centro da praça, alternando músicas alemãs e italianas em seu repertório. Vendedores de algodão-doce, pipoca e sorvetes encantavam as crianças, que voltavam correndo aos pais, esparramados preguiçosamente na grama tomando chimarrão, para pedir trocados.
Adriana riu para uma menina alta, de maria-chiquinha nos cabelos loiros, que passou voando por eles tão logo a mãe liberou algum dinheiro para o sorvete. Seu irmão gorducho bamboleou atrás dela, ávido por não perder a oportunidade de escolher o sabor do próximo picolé.
— E aí? Tu não te anima, Adri?
A voz de Luís fez a investigadora voltar o rosto em sua direção. Ele tinha as mãos nos bolsos, a camisa social azul ligeiramente amarrotada e um sorriso estampado no rosto mal barbeado que deixava à mostra suas covinhas. Seus olhos castanhos se perderam pela praça, observando as famílias e a alegria que rondavam o festival. Adriana riu, cruzando os braços.
— Não é pra mim. Mal consigo cuidar das minhas plantas sem estragar tudo.
Ele deu de ombros e riu. Se avaliaram no silêncio embalado pela bandinha, pelas conversas animadas e o riso das crianças, esperando pelo o que viria a seguir.
Adriana era bem acostumada aos silêncios e olhares do parceiro. Desde a faculdade ele fazia isso, avaliava silenciosamente cada resposta de Adriana, cada pausa e entonação como se todas as falas dela possuíssem significados ocultos, especiais. Era quase como se ele tentasse ler seus pensamentos, descobrir o que o interior de sua alma queria dizer.
— É justo — disse ele, rindo e se virando para a praça. — Antes de Bárbara nascer, eu mal conseguia organizar os meus livros.
— Não parece que mudou muita coisa.
Ele abriu a boca para responder, mas desistiu, preferindo apertar os olhos. Adriana riu e seguiu distraidamente um grupo de crianças, olhando os estandes repletos de flores sem realmente prestar atenção em nada. Com Luís ao seu lado, procuravam por qualquer rosto familiar que pudessem interrogar. Mais especificamente, o rosto de Pedro Camargo de Sá.
Após a breve conversa no quarto de Adriana, decidiram que descobrir o que Pedro escondia ajudaria, no mínimo, a acalmar os ânimos da imprensa. Com Bernardino agindo como o delegado celebridade, se exibindo como um pavão na televisão, e jornalistas se deslocando de todo o estado para Lisiantos, o trabalho deles ficava mais complicado do que antes. E se Pedro tem respostas, tá na hora de abrir o bico.
Mas não foi o rosto de Pedro que chamou a atenção de Adriana no centro da praça, entre uma fileira comprida de estandes. Ela estacou no lugar, mirando o estranho com as sobrancelhas unidas.
A primeira característica que fez Adriana parar, além da estatura avantajada, foram seus olhos. O homem possuía olhos negros como sílex num rosto pétreo, de maxilar quadrado, bochechas encovadas e expressão melancólica, tendo sua fisionomia coroada por cabelos negros revoltos e lisos. Ele não expressou nada quando os olhos dos dois se encontraram. Nenhum meio sorriso, nenhum aceno de cabeça. Ligeiramente curvado, ele seguiu entre os turistas, sem olhar para nada em especial. Aquele tipo sombrio, de olhos negros, pele pálida e roupas desbotadas não combinava com as cores vibrantes dos estandes repletos de flores coloridas, com os sorrisos dos turistas, com o céu azul e as músicas alegres da banda.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sob a Pele de Érica | ✓
Mystery / ThrillerApós meses planejando um final de semana romântico com o namorado, Adriana Souza, investigadora de polícia do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, finalmente consegue a merecida folga do trabalho. É hora de fazer as malas e subir a Serra, cur...