03.

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Sentada na mesa oval carcomida da única DP de Lisiantos, Adriana escondeu um bocejo tomando outro gole de café frio e brincando com o copo de plástico entre os dedos. Observando atentamente os outros quatro policiais que tomavam notas enquanto o delegado falava, a investigadora olhou de relance para Luís, que escorado contra a parede, de braços cruzados, devolveu o olhar com um suspiro cansado. Discretamente, o relógio de pulso de Adriana indicou que Bernardino Almeida, o delegado, falava há vinte minutos sem qualquer interrupção.

O delegado da DP de Lisiantos era um tipo baixinho e rechonchudo, de cabelos castanhos que não cobriam completamente sua careca lustrosa e uma voz retumbante, que fazia as persianas tortas da sala tremularem vez ou outra. Os dedos do delegado, que mais pareciam salsichas, moviam-se para cima e para baixo enquanto ele falava sobre a importância do caso, da instituição policial, do faro dos investigadores, de como era a hora da verdade para aquela compacta, porém valente, força de Lisiantos. Que os quatro policiais ali presentes seriam os olhos, ouvidos, braços e pernas dos investigadores de Porto Alegre, o coração do nosso...

— Obrigado pelas palavras, delegado — interrompeu Dante, fazendo todos os rostos se virarem para ele. Bernardino, como era de se imaginar, não gostou de ser interrompido justo quando estava prestes a escolher um adjetivo grandioso para a capital do estado, mas pigarreou e assentiu. Dante agradeceu com um sorriso. — Já que nem todos aqui estavam presentes na cena do crime, sou Dante Bueno e estes são Luís Machado e Adriana Souza, meus colegas da DH de Porto Alegre. Estamos aqui pra auxiliar na investigação do caso ocorrido ontem.

Os quatro policiais assentiram brevemente. Os únicos que Adriana reconhecia eram os dois agentes que consolaram o coveiro na capela, o policial rechonchudo que atendia pelo nome de Jorge, e o magricela, chamado de Sérgio. Os outros dois eram um mistério. A única mulher além da própria Adriana era uma jovem policial de cabelos negros presos num rabo-de-cavalo chamada Miranda. O outro colega era um tipo soturno, com uma cicatriz esbranquiçada na bochecha direita que deixava sua barba falhada e do qual Adriana não se recordava do nome. Rafael? Renato? A única certeza dela era de que o nome dele começava com a letra R.

— As circunstâncias foram bem impressionantes na cena do crime — comentou Luís. As sobrancelhas dele se vincaram quando seus olhos castanhos questionaram silenciosamente cada rosto ao redor da mesa. — O que temos até agora sobre Érica Baldini?

Miranda afastou as folhas que usava para escrever e puxou uma pasta de informações. Os outros policiais locais franziram o cenho, exceto o que possuía a cicatriz. O policial que Adriana não sabia o nome sorriu com o canto dos lábios, acentuando ainda mais sua cicatriz.

Adriana se inclinou para ver melhor as fotos. Dante e Luís fizeram o mesmo.

— Compilei um material ontem à noite — informou Miranda, espalhando alguns recortes de jornais, fotos de Érica Baldini e matérias impressas de jornais online na mesa. — Não é muito, mas podemos começar traçando um perfil detalhado da...

— Ótima ideia, Miranda — elogiou o delegado, interrompendo a jovem. Ele sorriu como um pai, erguendo as sobrancelhas espessas para ela. — Por que não pega um café pra nós enquanto isso?

O silêncio que caiu sobre a sala foi sepulcral. Os velhos ventiladores de teto rangeram, e Miranda trincou a mandíbula. Adriana semicerrou os olhos para o delegado, decidindo que definitivamente não gostava de sua pessoa rechonchuda e altiva. Antes que ela se levantasse ou dissesse qualquer palavra, o policial da cicatriz se ergueu da cadeira e disse:

— Não se incomoda, Buarque. Explica as tuas... tuas anotações que eu cuido do café.

Ele saiu pela porta antes que o delegado pudesse reclamar. Um pequeno silêncio se seguiu antes que Miranda, agora duplamente animada, seguisse com a explanação.

Sob a Pele de Érica | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora