10.

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O silêncio que se seguiu foi cortante. Alguns passarinhos piaram em fontes de pedra e as árvores sacudiram com a brisa quente da primavera, mas ninguém falou. Teodora e a jovem lutavam uma batalha silenciosa que nenhum deles ousava interromper.

A jovem não mudara nada desde a primeira vez em que a viram, estacionando no posto de gasolina e ouvindo Rolling Stones no último volume. Seus shorts jeans desfiados, a blusa rasgada deixando à mostra tatuagens e o sutiã de cor berrante, os cabelos cor-de-rosa e a maneira de segurar o cigarro faziam da recém-chegada uma figura deslocada na simplicidade romântica da cidade. Se de longe ela parecia problema, de perto era uma bomba-relógio com os segundos contados.

Vitória descansou a xícara no pires e riu, atraindo a atenção do resto do grupo. O semblante da jovem se abrandou, e Adriana percebeu a semelhança entre a velha senhora e a garota, o mesmo brilho perigoso nos olhos, o mesmo sorriso insolente.

— Felipa, meu amor! — Vitória sorriu. — Pensei que havia se esquecido da sua velha avó. Por onde andou?

— Por aí, vovó — respondeu ela com um sorriso oblíquo, o cigarro preso entre o indicador e o dedo médio. — Qual é a boa?

Teodora sorveu um gole de café lentamente, suas narinas dilatadas. Ignorando Felipa, ela trincou a mandíbula, servindo-se de mais café. Adriana observou a dinâmica das duas com as sobrancelhas franzidas. Nenhuma foto de Felipa no escritório de Teodora. Nenhuma menção a ela, a investigadora pensou, lembrando-se da alegria de Teodora entre os filhos na fotografia que descansava em sua mesa.

— Somos os investigadores do caso Érica Baldini. — Luís se levantou, estendendo a mão à Felipa com aquela expressão de policial que nunca falhava em transmitir profissionalismo. — Luís Machado.

Felipa Albuquerque observou a mão estendida dele, subindo por seu braço, seu pescoço e parando nos olhos castanhos de Luís. Um sorriso insolente iluminou o rosto travesso dela, e Adriana engoliu em seco. Aí vem. Felipa não tomou a mão de Luís, limitando-se a sorrir e tragar seu cigarro com malícia.

— E o senhor gostaria de me revistar?

— Não, eu...

Luís se calou, a ponta de suas orelhas pegando fogo. Adriana escondeu o sorriso dentro da xícara. Vitória riu, mas Teodora descansou a xícara no pires com um estrondo. Seus olhos se viraram para Felipa como se quisesse desintegrá-la, fazê-la sumir.

— Felipa, por favor — repreendeu ela, recebendo da jovem um olhar entediado. Voltando-se para os dois, Teodora continuou: — Sinto muito por isso. Por favor, desconsiderem a falta de educação de minha filha.

A jovem largou-se na última cadeira vazia, rindo e assoprando a fumaça para o ar. Os olhos de Adriana lacrimejaram, mas ela foi rápida em disfarçar, baixando a cabeça para o bolinho intocado no prato. Vitória riu para Luís, que mirava a própria xícara ainda sem graça, com as bochechas mal barbeadas coradas.

— A filha do meio é sempre a desgraça da família. — Felipa riu, dando de ombros. — Nem tão velha pra ser a primogênita, nem tão nova pra ser a caçula. É o limbo da existência.

Não querendo deixar outro silêncio se alongar e vendo que Luís ainda mirava a própria xícara, Adriana cruzou as mãos. Avaliando Felipa e escolhendo as palavras com cuidado, perguntou:

— Conhecia Érica?

— É, acho que sim. — Felipa tragou outra vez. — Ela tava sempre por aí, fazendo perguntas.

— E vocês chegaram a conversar?

— Eu não tinha como ajudar no livro. — A jovem deu de ombros, deixando as cinzas do cigarro caírem no gramado. Teodora trincou a mandíbula, mas nada disse. — Odeio essa cidadezinha medíocre, e o mercado de vinhos não poderia me interessar menos.

Sob a Pele de Érica | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora