28.

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As boas notícias de Gregório não demoraram a azedar o bom-humor da investigadora. Da janela do quarto, Adriana viu a tarde dar lugar à noite em Lisiantos e nenhuma solução surgir em sua cabeça.

As palavras de Mathieu iam e voltavam de suas memórias, calando a jornalista que dava as últimas notícias sobre o caso de Érica e o assassinato de Verônica na televisão. Eles não vão parar. Quem? Por mais que tentasse, era impossível ver Felipa e Pedro naquele papel, e ela se perguntava se ninguém, nem mesmo um daqueles jornalistas que possuíam apenas metade do cérebro funcionando, se questionava da veracidade dos fatos.

Pedro, com seu jeito nervoso, alegava ter esfolado viva, sem ajuda ou anestesia, uma mulher como Érica Baldini e ninguém questionava. Pelo menos Adriana ainda tinha algumas horas para descobrir a verdade.

Amuada, ela pegou a pasta com os arquivos do inquérito e despejou tudo em cima da cama, baixando o volume da televisão. As fotografias do corpo esfolado de Érica, da cena do crime, da raposinha entalhada e do diário tomaram de assalto sua cama, assim como as fotografias que a Perícia havia realizado do assassinato de Verônica, da arma do crime e do projétil.

A resposta estava ali, ela sabia que sim. O caso de Érica fechava dois meses, e Luís sempre dizia que o tempo era tudo numa investigação. Contrariando a opinião da maioria dos policiais, ele acreditava que quanto mais tempo passasse, mais fácil o caso se tornava, apesar de raramente cultivar a paciência nesse meio tempo. Tem atmosfera no passado, Adri. Tudo fica fácil quando a gente cria a atmosfera e olha de fora. Pegando uma das fotografias, Adriana tentou pensar no que o parceiro diria se estivesse ao seu lado. Era preciso criar a atmosfera daquele caso, ver com olhos renovados os fatos que tinha em mãos.

Então ela fechou os olhos e se propôs a ver. Havia uma jornalista num ano sabático, querendo se afastar do trabalho para escrever uma biografia familiar na bela cidadezinha de Lisiantos. Trabalho de pesquisa, conhecer as pessoas da cidade e fazer perguntas. Nada anormal. Até que ela faz as perguntas erradas, descobre o que não deve e termina como um amontoado de músculos avermelhados sobre a terra escura do cemitério, acompanhado por pétalas de rosa como num ritual macabro ao redor de seu corpo. Concentre-se, Adriana pensou, ainda de olhos fechados.

Érica descobriu o motivo dos desaparecimentos, ela ouviu a voz afrancesada de Mathieu sussurrar em seus ouvidos. Adriana engoliu em seco e mirou a repórter na televisão emudecida antes de pegar a lista que Miranda havia feito com os nomes das mulheres que sumiram em Lisiantos. Rafaela, Beatriz, Fernanda, Mara. Nomes comuns que poderiam ser de médicas, professoras ou qualquer outra coisa.

Olhe os registros, Mathieu afirmara, mas o que aquilo queria dizer? Adriana tinha tudo em mãos, os nomes, as biografias daquelas mulheres que sumiram como que por um truque de mágica. Ela lia e relia os nomes, as circunstâncias dos desaparecimentos, mas todas as informações não lhe diziam nada. As fotografias de Érica, Verônica e de algumas das mulheres que sumiram não eram o suficiente. Ela tinha apenas aquela noite, e o tempo que Luís tanto venerava ficava mais curto a cada minuto.

Com as mãos na cintura, Adriana caminhou pelo quarto. A resposta estava ali, ela só precisava ver. De súbito, a investigadora se pegou pensando no rosto assustado de Seu Adamastor, o coveiro que viu o anjo da morte pulando o muro do cemitério. Pensou na camareira do hotel vendo homem de luvas brancas remexendo nas coisas de Érica. Luvas brancas de algodão em plena primavera.

Eles não vão parar. Mas quem eram eles? Tinham um punhado de suspeitos com bons motivos para eliminar uma jornalista que sai por aí fazendo perguntas e desenterrando segredos. Mathieu sabia de algo, mas agia como se tivesse medo. E o Sr. Lafue também sabia. Ela só precisava de um nome. Uma luz.

Sob a Pele de Érica | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora