Não foi difícil perceber que ele estava bêbado. Mesmo pela fresta da porta Adriana reconheceu o cheiro forte do perfume de Luís com algo a mais. Uísque. Ela abriu a porta com uma careta, encontrando-o recostado no batente, a cabeça baixa. A camisa dele estava amarrotada, seus cabelos castanhos pareciam um ninho de passarinhos, e quando ele ergueu o rosto, Adriana percebeu que a barba por fazer conferia-lhe um aspecto grosseiro.
Com Luís ainda do lado de fora, trocaram um olhar pesado. Por mais que ela estivesse com raiva dele, do que ele dissera na delegacia, Adriana franziu os lábios. Sob a luz fraca do corredor do hotel, os olhos castanhos embaçados do parceiro a encararam de volta como se pedissem perdão.
— Tu não deveria beber — ela disse numa voz dura, apertando a maçaneta. — A gente tá aqui a trabalho.
Ele deu de ombros, utilizando o marco da porta como apoio. Adriana sempre achou engraçado como Luís era o tipo de bêbado silencioso. Quando exagerava, ele tendia a ficar calado, com os olhos e os pensamentos desconexos longe, numa dimensão particular. Luís, sempre tão falante e engraçado, perdia a voz quando bebia.
— Meu expediente... já acabou — respondeu ele, a língua enrolada.
Suspirando, ela se afastou para que Luís entrasse no quarto. Lentamente, como se caminhar em linha reta fosse uma tarefa impossível, ele se sentou na cama, mirando o carpete. Adriana cruzou os braços. O cheiro de uísque misturado ao perfume marcante dele tomou o quarto, e quando o silêncio se alongou, ela respirou fundo, descansando as mãos na cintura.
— Me desculpa — disse ele, se levantando da cama. Zonzo, Luís perdeu o equilíbrio. Adriana segurou-o pelos ombros antes que fosse ao chão. — Me desculpa, Adri.
— Tudo certo, Luís. — Ela deu dois tapinhas amistosos no topo da cabeça dele. O princípio áspero de barba no rosto do parceiro roçou em seu pescoço. O cheiro forte de uísque fez Adriana engolir em seco, mas ela não se afastou dele. — Vem. Deixa eu te ajudar.
Carregar um homem no estado de Luís para qualquer lugar era um esforço que Adriana não havia contabilizado quando a ideia de enfiá-lo embaixo do chuveiro surgiu em sua mente. Apoiando-se nela, seu parceiro falseava os passos e parecia pesar uma tonelada. Quando Adriana finalmente alcançou o banheiro, colocando-o dentro do box transparente com cuidado, Luís afundou até o chão, sentando-se nos azulejos cor de creme com a mesma expressão vazia do corredor. Ela prendeu os cabelos num rabo-de-cavalo e girou a torneira.
A água gelada caiu sobre a cabeça dele como uma cachoeira. Luís não se moveu nem reclamou, olhando para frente como se a bebedeira tivesse criado uma armadura ao seu redor. Em silêncio, Adriana esfregou os cabelos dele, não sentindo mais um pingo de raiva do parceiro. Perdida também nos próprios pensamentos, ela achou engraçado como não conseguia ficar brava com ele por mais do que algumas horas. Teria sorrido se, do nada, Luís não tivesse começado a chorar.
Ela afastou os dedos dos cabelos dele, franzindo o cenho. Ele soluçava debaixo do chuveiro como uma criança, e Adriana ficou sem ação, deixando que a água do chuveiro se misturasse às lágrimas de Luís. Os ombros dele subiam e desciam como o da criança que alcançava o ápice da crise de choro. Luís esfregou os olhos, soluçando.
Era a primeira vez em que ela via Luís chorar daquele jeito. Adriana sempre achou engraçado como ele chorava discretamente nos filmes que assistiam juntos, nas cenas em que cães morriam, nas comédias românticas sem graça que eram tão previsíveis quanto as novelas que passavam na televisão. É só um cisco que caiu no meu olho aqui, era a resposta padrão de Luís quando ela tirava sarro da sua choradeira discreta nos filmes. No fundo, Adriana achava fofo como o amigo conseguia se emocionar tão facilmente, mas aquilo que estava acontecendo era diferente.
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Sob a Pele de Érica | ✓
Mystery / ThrillerApós meses planejando um final de semana romântico com o namorado, Adriana Souza, investigadora de polícia do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, finalmente consegue a merecida folga do trabalho. É hora de fazer as malas e subir a Serra, cur...