Adriana não sabia o que esperava quando empurrou a porta, mas definitivamente nada daquilo.
Ao invés de uma saleta abandonada com caixas, uma extensão daquele porão assustador ou uma saída, Adriana se viu, para seu completo e absoluto terror, no início de uma biblioteca escura e repleta de livros que ela já imaginava do que seriam feitos. O único raio de luz naquele lugar maldito vinha da luminária em cima de uma mesa de metal à esquerda, repleta de tesouras, bandagens ensanguentadas e livros.
A investigadora buscou a saída com os olhos, mas não teve sucesso. As estantes, numerosas naquele porão que só parecia crescer, formavam um labirinto macabro, escondendo qualquer possível saída de sua visão. Com pressa, Adriana pegou uma pequena lanterna de cima da mesa e, prendendo a respiração, embrenhou-se entre as estantes. Preciso sair daqui. Preciso sair daqui.
Foi quando, entre as estantes que cheiravam a mofo, couro e pó, Adriana ouviu a porta se fechar. Não estava mais sozinha na biblioteca macabra do velho livreiro. Sem pensar, ela desligou a lanterna e esperou. Uma luz vacilante varria as estantes, e Adriana não demorou a ouvir a risada assoprada do velho preencher cada canto de sua mente.
— Já está indo, investigadorra? Tão cedo?
Ela não respondeu, ciente de que qualquer som que emitisse denunciaria sua localização. O velho conhecia cada corredor daquela biblioteca sinistra, e possivelmente ainda empunhava a pistola que arrancara das mãos de Mathieu. Adriana engoliu em seco, ignorando a dor no braço esquerdo esfolado, e seguiu com passos lentos. A luz do que parecia ser um lampião lambiam as estantes e as paredes em volta, mas ela sabia que parar significaria a morte. Ou coisa pior.
— Sinto muito por ter perdido a cabeça com Mathieu — disse ele de lugar nenhum, sua voz se estendendo sobre a cabeça de Adriana como uma presença macabra. — Todos os jovens são tolos, mas o corretivo foi dado. A senhorra vai ir embora justo agora?
Lafue riu, e Adriana seguiu pelo corredor, inabalável. Arquejava de dor no braço esfolado, e a lanterna que trazia, agora inútil, escorregava de seus dedos suados. Continue. Continue. A palavra se repetia em sua cabeça, e ela seguia em frente. Se fosse rápida, poderia dar a volta em Lafue e fechá-lo naquela sala até que os reforços chegassem. Ela parou quando a luz amarelada dele quase denunciou sua posição.
— Vamos conversar, investigadorra. Confesso que não gostei da sua atitude de me esfaquear pelas costas, mas entendo sua ansiedade. — Ele fez uma pausa, e Adriana fez o mesmo, temerosa de que ele ouvisse seus passos ou sua respiração. Colada às estantes empoeiradas, esperou. Lafue riu. — Está prrestes a deixar este mundo para se tornar... fonte de conhecimento. Minha Marie vai adorrar ter a senhora na estante dela.
Ele recomeçou a busca, e Adriana seguiu em frente. Ainda precisava investigar o papel de Vitória Albuquerque, Marie, naquele esquema, mas primeiro precisava bater o Sr. Lafue nos próprios domínios.
A luz do lampião dardejou pelos livros, e entre o vão das estantes, ela viu o velho no corredor em frente, procurando por ela como um cão perdigueiro. Adriana parou, trincando a mandíbula e apertando a faca entre os dedos. Através do vão, percebeu que o ombro direito dele estava ensopado de sangue.
— Tudo o que fiz, investigadorra, foi por ela. Minha Marie sempre gostou de ser presenteada com livros. — A luz dançou entre os livros. Adriana respirou fundo, colando-se às estantes para não ser vista. — Ela pedia por livros, mas eu percebi que poderia dar muito mais, vê? Eu poderia dar... vidas a ela. As vidas que nunca... que nunca tivemos. Um dia Marie entenderrá que eu dei a ela muito mais do que livros. Um dia ela entenderrá que eu fui capaz de... matar por ela.
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Sob a Pele de Érica | ✓
Mystery / ThrillerApós meses planejando um final de semana romântico com o namorado, Adriana Souza, investigadora de polícia do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, finalmente consegue a merecida folga do trabalho. É hora de fazer as malas e subir a Serra, cur...