Os olhos negros do homem a encararam, impassíveis, por cima da caixa de papelão. Sua estatura avantajada, que ela percebera ainda no parque, parecia maior ainda de perto. Seus ombros largos, aliados ao rosto sem expressão e pálido, faziam do homem um desses protagonistas de filmes franceses que aparentam estar sempre tristes. O silêncio se alongou, e o homem virou o rosto para o Sr. Lafue, esperando por alguma intervenção.
O velho fechou o livro de registros, sorrindo. Numa tentativa de desfazer o clima pesado da loja, o Sr. Lafue inclinou a cabeça para o homem e disse:
— Este é Mathieu, meu ajudante.
— Muito prazer, Mathieu. — Luís enfiou as mãos nos bolsos. — Tudo certo? Somos os investigadores de polícia do caso Érica. Luís Machado e Adriana Souza.
Ainda com a caixa nas mãos, Adriana percebeu Mathieu lançar ao livreiro um olhar confuso, suas sobrancelhas negras se franzindo no rosto pálido. O Sr. Lafue traduziu num francês baixo e rápido, quase gutural, as palavras de Luís. A expressão de Mathieu suavizou e ele assentiu para os dois lentamente. O livreiro, percebendo o olhar fixo de Adriana, ajuntou como quem pede desculpas:
— Mathieu não compreende muito bem o português. — Num francês ligeiro e sussurrado, que capturou a atenção do assistente, o Sr. Lafue deu uma ordem a Mathieu. Obediente, ele simplesmente assentiu e prosseguiu para as estantes, carregando a caixa consigo. O livreiro virou-se para os investigadores e perguntou: — Em que posso ajudá-los?
Adriana ainda tinha a atenção presa em Mathieu, que organizava os livros encaixotados nas estantes mais baixas. Envolvido pela luz amarelada que cobria a loja, Mathieu parecia saído de uma época distante. Com seu rosto triste e seus suspensórios marrons, arrumando os livros por tamanho, ele parecia pertencer a uma fotografia antiga, congelada no tempo. Luís tomou a dianteira.
— Não sabíamos que o senhor tinha um ajudante, Sr. Lafue...
— Ah, oui. Já estou muito velho para certas tarefas, investigador. — Ele sorriu, as rugas vincando sua pele pálida. Ajeitando os óculos, guardou o livro de registros debaixo do balcão. — Sinto muito por não ter mencionado Mathieu antes. Ele estava realizando uma entrega.
— Uma entrega?
— Temos muitos clientes em Grramado e em cidades vizinhas. — Com uma ponta de orgulho, adicionou: — Nossos livros são muito procurados.
Adriana enfiou as mãos nos bolsos e virou-se para o velho livreiro. Esquecendo-se da raiva que sentia de Bernardino e das pessoas que não pareciam mover uma palha para facilitar seu trabalho, Adriana sorriu cordialmente para o Sr. Lafue.
— Gostaríamos de fazer novas perguntas sobre Érica. O senhor estaria muito ocupado?
— De maneira nenhuma. Queirram me acompanhar — disse ele. Apoiado na bengala de madeira trabalhada, encimada pela cabeça de uma águia, o Sr. Lafue seguiu para uma salinha abarrotada, girando a maçaneta com dedos trêmulos. — Fiquem à vontade.
Antes de fechar a porta, o livreiro disse algumas palavras em francês para Mathieu. Virando-se para eles, o velho senhor desviou habilmente de duas pilhas de livros que ameaçavam cair e sentou-se numa cadeira estofada atrás de uma escrivaninha atulhada de papéis e livros. Ele indicou os dois assentos livres com um sorriso.
A salinha seria um inferno para qualquer pessoa claustrofóbica. Exceto por uma janela coberta por persianas brancas fechadas, a única luz que caía sobre a sala vinha de uma luminária de teto que chiava, espalhando um brilho amarelado sobre livros, papéis e duas gavetas arquivadoras de metal cinzento. O cheiro da sala era uma mistura sufocante de poeira, livros velhos e a colônia enjoativa do Sr. Lafue.
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Sob a Pele de Érica | ✓
Mystery / ThrillerApós meses planejando um final de semana romântico com o namorado, Adriana Souza, investigadora de polícia do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, finalmente consegue a merecida folga do trabalho. É hora de fazer as malas e subir a Serra, cur...