21.

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Adriana não dormiu a noite inteira. As palavras do Sr. Lafue na confeitaria ficaram em sua cabeça o dia todo, indo e voltando como os ponteiros de um relógio enlouquecido. O medo presente nos olhos do livreiro eram a confirmação que a investigadora precisava; o Sr. Lafue sabia de algo, e Adriana, como uma criança ansiosa pela manhã de Natal, mal pregava os olhos. Rolando na cama e perdida em mil conjecturas, a investigadora finalmente adormeceu quando o sol nasceu, lançando luzes amareladas sobre seus lençóis.

Nas duas horas em que dormiu, teve sonhos atribulados; o rosto atormentado do Sr. Lafue se fundia à expressão chorosa de uma Teodora jovem, que fugia de mãos dadas com Martin. Verônica e Vitória entravam e saíam de vista, a primeira praticando cooper e a segunda comendo biscoitos e balançando os anéis. O som do motor potente de Felipa soava ao longe, e Érica, completamente esfolada, pairava acima da cena como o anjo que encimava os portões do cemitério da cidade.

Acordar foi uma tarefa quase sobre-humana. Atormentada por aquele pesadelo difuso, Adriana arrastou-se para fora da cama, tomou uma ducha e foi para a delegacia com passos lentos, fechando a porta do quarto já pensando em voltar. Pela primeira vez não se deu ao trabalho de bater à porta de Luís no final do corredor.

Tão logo entrou na delegacia — carregando um grande copo de café que pegara para viagem —, Adriana tomou seu lugar ao velho computador em silêncio, murmurando um bom-dia cansado a Timóteo, o escrivão. Seu olhar não demorou muito para encontrar o de Luís.

Entre Sérgio e Jorge, ele ouvia o policial gorducho explicar qualquer coisa, mas não parecia ouvir. Adriana manteve o olhar, erguendo ligeiramente o queixo. Travaram essa batalha silenciosa até Luís trincar a mandíbula e voltar a atenção para a pasta que segurava. Com um gosto amargo na boca, tudo o que ela não queria agora era falar com Luís, ouvir o som de sua voz. Pelo menos não até ele pedir perdão por ontem.

A figura alta de Dante entrou em seu campo de visão, e Adriana desviou os olhos para o computador. Ele sentou-se em sua frente, tamborilando os dedos na mesa. Lentamente, Adriana fez o login no computador, ignorando a presença de Dante. Sem graça, ele pigarreou. Ela ergueu os olhos verdes por cima da tela. Dante tinha as sobrancelhas loiras levantadas como as de seu pai quando ela, adolescente, vinha com alguma resposta malcriada.

— Então... — começou ele.

— É isso aí — respondeu Adriana, fingindo estar ocupada com os próprios assuntos.

Dante suspirou.

— Assim não dá pra ficar, Adri.

— O quê?

— Tu e o Luís.

Adriana olhou de relance para Luís, que ainda ouvia a explicação de Jorge. Os olhos dos dois se cruzaram outra vez, e ela foi rápida em desviar o rosto para o teclado.

— Ele é grandinho. Sabe bem o que faz.

— Concordo contigo. Ele foi um idiota ontem, mas isso já é normal. — Dante suspirou. Adriana manteve-se firme, apertando os lábios. — Eu só quero que vocês... que vocês se entendam.

— Eu tô cansada das grosserias dele, Dante — reclamou ela. O ronco da máquina de café encheu a delegacia, e Adriana percebeu que era Luís quem esperava pelo café com braços cruzados e uma expressão amuada. — Pra mim chega. Se ele tem o direito de desconfiar de mim, eu tenho o direito de escolher não falar com ele. Quer saber? Graças a Deus que Bernardino nos separou. Trabalhar com Luís depois daquilo seria uma merda.

Dante suspirou outra vez, unindo as mãos em cima da mesa. Adriana fechou a cara.

— E não adianta me olhar desse jeito, Dante. Eu não vou pedir desculpas por algo que não fiz.

Sob a Pele de Érica | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora