17.

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Quando chegou à delegacia na segunda-feira, parecendo um zumbi por conta da noite não dormida, Adriana foi surpreendida pelas mudanças de Bernardino. Decidindo finalmente tomar as rédeas da investigação, o delegado ordenou que, para cobrir maior terreno, os investigadores de campo deveriam trabalhar separados. Luís chiou, Dante limitou-se a erguer as sobrancelhas e Adriana, ainda envolvida no torpor da descoberta da noite anterior, aceitou sem ressalvas as ordens do delegado.

— Já que a senhora tá perseguindo o pobre do Pedro, vou deixar os Camargo de Sá com o investigador Machado — dissera Bernardino, reafirmando sua autoridade para cima de Adriana com um tom de voz debochado. Sem saber que sua próxima decisão a ajudaria, o delegado decretou: — E tu pode ficar com os Albuquerque. Mas vai com calma. Não quero outra bomba nas minhas mãos.

Luís reclamou, mas Adriana não ouviu. Ela não conseguia parar de pensar. Ouvia as reclamações do parceiro como quem ouve sirenes de polícia ou latidos de cães na madrugada. Tudo parecia longe, deslocado. Quando Luís percebeu que havia algo errado e perguntou, Adriana desconversou. Noite mal dormida. Ele não ficou satisfeito, mas aceitou mesmo assim.

Como Adriana contaria a ele suas suspeitas se nem ela sabia se tinham fundamento? Como colocar aquilo em palavras sem provas? Na mesma hora, Adriana decidiu ser melhor guardar as suposições para si. Pelo menos por enquanto. Abatida pela noite terrível, entupiu-se de café e ligou para Vitória Albuquerque para marcar um encontro na casa da família.

De repente a velha senhora estava repleta de compromissos. Hoje é impossível! Estamos limpando as piscinas e pintando a fachada. Terça tenho pilates e o Encontro das Senhoras em Gramado. Quarta-feira a senhora está livre? Adriana trincou os dentes. Quis gritar com aquela velha irritante, dizer que a polícia não ligava a mínima para Encontros de Senhoras e aulas de pilates, que trabalhavam com um caso de homicídio e que não precisavam marcar hora, mas ao invés disso sorriu, apertou o telefone contra o ouvido, e aceitou o convite.

Nos dois dias seguintes, Adriana ficou imune aos comentários idiotas de Bernardino, às reclamações de Luís e à tensão entre Sérgio e Ricardo, que insistiam em trocar olhares feios quando se cruzavam nos corredores apertados da delegacia. Nem as matérias tendenciosas da imprensa e as ligações insistentes de Gregório — todas ignoradas — a tiraram do sério. O pensamento fixo não a abandonava, não a deixava dormir ou trabalhar em paz. Nada mais importava a não ser aquele encontro com Vitória Albuquerque.

Teria Érica descoberto o mesmo que ela? Teria a jornalista visto nas curvas do sorriso e nos olhos castanhos o segredo que, possivelmente, levara à sua morte? Adriana não sabia, mas não conseguia parar de cogitar, criar mil hipóteses enquanto esperava pela quarta-feira.

Quando o dia finalmente chegou, depois do que pareceram eras, ela trabalhou sem desviar os olhos do relógio, esperando o horário do encontro como o aluno que conta os segundos para o final de semana. Quando os ponteiros marcaram dez horas, Adriana se levantou da cadeira num pulo, desligando o computador e enfiando a bolsa no ombro. Com pressa, mirando as portas da delegacia, só percebeu a presença de Luís quando ele segurou seu pulso com força. Adriana piscou, parando para encará-lo sem realmente vê-lo.

— O que tá acontecendo contigo? — As palavras dele vieram de longe, como se Luís estivesse do outro lado de um túnel. Ela esperou, ao que ele franziu o cenho. — Tô falando contigo há dias, e tu sempre parece... aérea. O que tá rolando?

— Nada. Muito trabalho. — Ela se desvencilhou do aperto de Luís, dando de ombros. — Muitas... coisas. Sabe como é.

— Não, não sei — retrucou ele. — Eu te conheço. Sei que tem alguma coisa que tu não tá me contando, Adriana.

Sob a Pele de Érica | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora