Adriana fechou o zíper da mala e sorriu. Colocando as mãos na cintura, admirou, não sem uma ponta de orgulho, como todos os itens que pretendia levar couberam sem esforço na diminuta bagagem. Escova de dentes, toalha, pijama. Tudo em ordem. A pistola descarregada e o distintivo que descansavam em cima da cama ficariam no apartamento desta vez. Durante aquele breve final de semana, Adriana não seria policial. Ela devia isso a Otávio e cumpriria o prometido.
Há dois anos ela conhecera o atual namorado num bar da Cidade Baixa, zona boêmia de Porto Alegre. Ele era advogado numa firma importante, então não se assustou quando ela confessou que era investigadora da Delegacia de Homicídios. Eu sou advogado da área de família, ele dissera com um sorriso no rosto, digamos que seja um pouco... difícil de me assustar. Não demoraram a marcar outro encontro, e mais outro e mais outro até Otávio decidir oficializar o relacionamento com flores, chocolates e uma música cafona do Lionel Richie.
O trabalho dela, como sempre, não demorou a ser um problema. Às vezes as ligações interrompiam jantares românticos, sessões de cinema, festas da família de Otávio ou chegavam no meio da madrugada, chamando-a para resolver outro caso. Otávio se ressentia daquilo, de como Adriana vivia com o celular ligado à espera de alguma desgraça. Ele se irritava por ela trabalhar demais, e ela se irritava por ele não compreender que o trabalho dela não terminava às seis horas da tarde como o dele.
O celular vibrou em cima da cama, arrancando Adriana daqueles pensamentos longínquos. Ela enfiou o aparelho no bolso traseiro da calça — certa de que seria Otávio avisando que estava esperando — pegou a mala e apertou o botão do elevador. Enquanto descia, ela percebeu pelo espelho manchado que sorria como uma adolescente apaixonada. Adriana saiu do elevador, deu boa noite ao Seu Romão, o porteiro, e saiu para o final de semana romântico que a esperava de braços abertos.
— Porra, Adri, até que enfim!
Ainda do lado de dentro do portão, Adriana parou. Esperava pela figura esguia e loira de Otávio, seus óculos quadrados e seu brilhante sedã prateado estacionado na frente do seu prédio, pronto para levá-los à serra no que seria a viagem mais romântica do relacionamento deles. Entretanto, para sua desgraça, quem a encarava da calçada era Luís Machado, seu parceiro na maior parte das investigações.
Se ele não tivesse cabelos e os olhos tão castanhos, além daquela maldita barba por fazer, Adriana poderia fingir que estava na frente de Otávio. Que Luís era apenas uma miragem desagradável em sua sexta-feira, sua noite de folga. Ela não se moveu, apertando a alça da mala com mais força do que o necessário. Ele bufou e Adriana enrijeceu os ombros, sabendo o que ele possivelmente queria.
— Sem chance, Luís. É minha folga — argumentou ela, antes que ele dissesse qualquer coisa. Apoiado no carro, ele deu de ombros. — E eu tô indo viajar.
— Será que dá pra tu vir aqui na rua pra gente conversar? — perguntou ele, erguendo as sobrancelhas. Quando ela não respondeu, ele suspirou. — Olha, eu sei que é tua folga, mas... mas aconteceu uma coisa.
A brisa do final da tarde sacudiu o ipê cor-de-rosa plantado do outro lado da rua, e a pele de Adriana se arrepiou. Sempre que Luís dizia aquela famosa frase, seja por telefone ou ao vivo, ela não conseguia evitar que um calafrio sacudisse seu corpo.
— Como sempre — debochou ela. Luís fez uma careta. — Eu nem deveria tá falando contigo. É minha folga, pelo amor de Deus.
— Eu sei, mas a gente não tem tempo pra isso...
— Não — cortou Adriana. — Alguém deve tá de plantão na DH agora, então não é problema meu. Tu sabe que eu levei meses programando essa viagem pra serra, Luís. Será que só dessa vez tu não pode trabalhar com o Clóvis ou o Sampaio?
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Sob a Pele de Érica | ✓
Mystery / ThrillerApós meses planejando um final de semana romântico com o namorado, Adriana Souza, investigadora de polícia do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, finalmente consegue a merecida folga do trabalho. É hora de fazer as malas e subir a Serra, cur...