Capítulo 37

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LINDA

"Toda boa história merece um bom polimento!"

– O Hobbit, Uma Jornada Inesperada


A minha vida voltou ao que era de modo surpreendentemente rápido. Como se a passagem de Luke, Joe e Serena tivesse sido um sonho ou um intervalo comercial entre os episódios da minha rotina.

Depois de mais um dia de trabalho na locadora, eu estava de volta em minha cama lendo Dias e Noites de Amor e de Guerra, do uruguaio Eduardo Galeano. Antes dele,  eu li Viagem ao Crepúsculo, e antes dele O Chamado do Cuco. Nada de histórias sobrenaturais meninos irresistíveis ou de garotas que conhecem astros do cinema, se apaixonam e vivem felizes para sempre.

Quando não estou ocupada com os trabalhos de faculdade ou colocando a minha lista de leituras em dia, me devoto meu tempo a única coisa boa que Luke deixou para trás: as crianças do Lar Saint Peter.

 A proximidade da estreia da peça de Tim nos mantém ocupados a maior parte do tempo em que estou lá, o que não significa que voluntariar no Lar seja algo fácil. Toda vez que Anna liga pra discutir algum detalhe, toda vez que as crianças se sentam ao meu redor para conversar, sou assolada por todas as lembranças de Luke e pelo modo como tudo acabou.

As palavras que Kelly disse para mim ecoam nos cantos do meu cérebro o tempo todo, todos os dias.

"Deus sabe o quanto eu queria poder te defender, mas foi você quem deu as costas para ele."



Demorou, mas logo me dei conta de que liaa mesma página pela terceira vez quando uma suave batida na porta me interrompeu.

- Nós precisamos conversar – Minha avó falou, sentando-se ao meu lado na cama. – O que houve? Você anda tão quieta ultimamente.

Relutei, mas, por fim, decidi que se alguém pode ajudar, esse alguém é a minha avó. Então aos poucos, contei tudo sobre a história, sobre como Luke levou meu trabalho para alguns produtores, meus medos e, por fim, a briga.

- Você deve a esse menino um pedido de desculpas. E que bobeira é essa de você pensar que eu ficaria chateada? Eu detestaria saber que você se reprime por bobeiras como essa. Eu quero vê-la feliz e em paz com você mesma, e se escrever te faz sentir assim, então escreva! – Ela falou  enquanto afagava minha cabeça. – Você já sabe o que tem que fazer?

- Não acho que eu tenha direito de incomoda-lo vovó.

- Não acho que você tenha o direito de deixá-lo sem um pedido de desculpas. Quem vai decidir se você ainda é bem-vinda na vida dele, ou não , é ele.

Eu tenho sérias dúvidas a respeito disso, porque, por mais que eu fuja de tudo que diz respeito a Luke, às vezes, eu caio em tentação e jogo o nome dele no Google. O que eu encontro sempre faz meu estômago se contorcer de culpa, e deixa meu coração apertado.


De noite, Andrew e eu fomos para a casa de Kelly para terminarmos um trabalho de semiótica particularmente complicado. No caminho, me peguei ansiosa para dividir a minha nova resolução com minha amiga. Se tem alguém que eu tenho certeza de que vai ficar feliz com essa notícia, esse alguém é a Kelly.

Em solidariedade a mim, ela parou de comprar revistas, entrar na internet e ver TV. Bom, isso e para que eu não a importunasse com perguntas sobre Luke. Perguntas cujo as respostas só serviam para me deixar mais decepcionada.

- Você parece mais feliz hoje – Andrew observou. – Alguma novidade da qual valha a pena nos informar? – Perguntou, enquanto virava uma página do livro A Sociedade do Espetáculo.

– Conversei com a minha avó sobre a coisa toda que aconteceu com Luke.

- Finalmente! Estava me perguntando por quanto tempo mais você aceitaria ser a coadjuvante em sua própria vida. - Kelly jogou os livros para o outro lado do quarto, deixando claro que o trabalho podia esperar. – E então, o que você vai fazer agora?

- Cansei de arremessar livros por aí. No fim de semana eu vou até Los Angeles esclarecer tudo. E depois... Bem, prefiro não pensar no depois. - falei, torcendo as mãos.

- Então, no fim o babaca vai conseguir tudo o que ele quer – Andrew disse, franzindo a testa. – Mesmo depois de ele ter traído a sua confiança, você vai voar milhares de quilômetros para implorar por um pouco de compreensão? Você não vê o quanto isso é absurdo?

- Por que você está sendo tão rude Andrew? Ele cometeu um erro. Pegou o arquivo achando que a ajudaria. – Kelly disse indignada. Então ela ficou em silêncio observando-o, até perguntar em tom acusatório – O que você fez, Andrew?

- Por que isso agora seria culpa minha?

- Luke não estava mentindo, não é mesmo? – Apenas a hipótese deixava Kelly horrorizada.

- Ele não tinha o direito... Linda. – Ele implorou, seus olhos clamando por compreensão- ...Eu a conheci primeiro, eu a ajudei tantas outras vezes e agora a única coisa que você vê é ele.

- Saia já da minha casa! – Kelly berrou expulsando-o a pontapés, enquanto eu permanecia imóvel, congelada pelo choque da traição.

Caindo na Real [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora